Tipos Sanguíneos
Qual o problema de uma moça com Rh- casada com um rapaz com Rh+?
“Meus pais têm o tipo sanguíneo A+ e A+; tem como eu ser O-?”
“Gostaria de saber sobre a tipagem do sangue. Sou A+ e tive um filho cujo sangue é A-, mas seu pai tem sangue A+. Pode? Como?”
Esse tipo de pergunta chega com muita freqüência em nossa seção Queremos Saber. Para esclarecer, de modo simples, nossos visitantes que têm curiosidade por esse assunto, o Prof. Marcus Vale, da Seara da Ciência, escreveu os textos que se seguem.
Antígenos e anticorpos
Na superfície das células de uma pessoa existem certas moléculas que funcionam como uma espécie de crachá para diferenciá-las das células de outras pessoas ou de de organismos estranhos. Essas moléculas são chamadas genericamente de antígenos. É através desses antígenos que nosso organismo consegue distinguir o que é seu próprio e o que é estranho. Assim, a injeção de células de um indivíduo na circulação de outro, como é o caso nas transfusões sanguíneas, pode desencadear os mecanismos do sistema de defesa (sistema imunológico) se o sangue do doador não for compatível com o sangue do receptor. Melhor explicando: certas células (linfócitos) do sistema imunológico são capazes de fabricar e liberar substâncias conhecidas por anticorpos cuja tarefa é tentar eliminar os antígenos invasores ligando-se a eles. No caso do sangue, essas ligações provocam a aglutinação das células vermelhas e, por conseqüência, oclusão de vasos. Aglutinadas, as células vermelhas não conseguem se deslocar pelo corpo. Isso bloqueia a distribuição de oxigênio e a pessoa corre sério risco de vida. A especificidade dos anticorpos pelos antígenos é similar àquela das enzimas pelos seus substratos e dos receptores pelos seus hormônios ou neurotransmissores.
Nas seções seguintes,veremos com mais detalhes como são classificados os antígenos das moléculas do sangue.
O sistema ABO.
Comparadas às outras células do corpo, as células vermelhas do sangue (hemácias ou eritrócitos) possuem poucos antígenos. Porém, eles são de extrema importância do ponto de vista clínico.
Existem vários grupos de antígenos de hemácias mas o mais conhecido é o “sistema ABO”. Em termos de antígenos presentes na superfície das hemácias, as pessoas podem ser do tipo A (que só apresentam o antígeno A), do tipo B (só apresentam antígeno B), tipo AB (apresentam antígenos A e B) e do tipo O (não apresentam o antígeno A nem o B).
Cada pessoa herda 2 genes (um da mãe e outro do pai) que controlam a produção dos antígenos do sistema ABO. Se ambos, mãe e pai, são A, (dizemos que ambos têm genótipo IAIA), o descendente, obrigatoriamente, apresentará antígenos A em suas hemácias pois herda 2 gens do tipo A, expressando seu genótipo também como IAIA. E, se um dos genitores for do tipo A, IAIA, como citado anteriormente, e o outro for do tipo O, ainda assim o descendente será do tipo A com genótipo IAi (esse “i” expressa a ausência de antígeno do sistema ABO). Da mesma forma, podemos ter dois tipos de genótipo B, o IBIB e o IBi. Finalmente, se o descendente for filho de 2 pais do tipo O, necessariamente, terá tipo O com genótipo ii.
O sistema imunológico tolera os antígenos de suas próprias células vermelhas e assim, as pessoas do tipo A não produzem anticorpos anti A mas podem produzir anticorpos anti B. E, vice-versa, as pessoas do tipo B produzem anticorpos anti A mas não produzem anti B. Já as pessoas do tipo AB não produzem anti A nem anti B e as pessoas do tipo O produzem ambos, anti A e anti B.
Para fazer a tipagem do sangue, utiliza-se de um teste simples. Mistura-se o sangue com anticorpos anti A e anticorpos anti B, separadamente. O anticorpo anti A promoverá a aglutinação das hemácias de indivíduos do tipo A ou do tipo AB e o anticorpo anti B promoverá a aglutinação das hemácias dos indivíduos do tipo B ou AB. Nem o anticorpo anti A nem o anticorpo anti B aglutinará as hemácias dos indivíduos do tipo O. Em outras palavras, os indivíduos do tipo AB, chamados de “receptores universais”, são capazes de receber transfusões de sangue de indivíduos de todos os tipos do sistema ABO, pois não fabricam anticorpos anti A nem anti B. Em contrapartida, os indivíduos do tipo O, chamados “doadores universais”, podem doar sangue a indivíduos de todos os tipos do sistema ABO, pois suas hemácias não possuem nenhum dos antígenos do sistema ABO. Já os indivíduos do tipo A só podem receber sangue de indivíduos do tipo A ou O e os do tipo B somente devem receber sangue do tipo B ou O.
Essas denominações podem levar a crer que o sangue de um “doador universal” pode ser transferido para qualquer receptor mas isso nem sempre é verdade. Mesmo essas pessoas podem ter outros anticorpos em seus organismos capazes de provocar sérias reações nos receptores. Um teste de compatibilidade é sempre recomendável antes de qualquer transfusão.
O fator Rh.
Além dos antígenos do sistema ABO, outro tipo de antígeno também é encontrado nas hemácias: o fator Rh. O termo Rh origina-se do nome de um macaco, Rhesus, onde originalmente esse antígeno foi encontrado.
As pessoas que possuem esse antígeno são classificadas como Rh positivas (Rh+). As pessoas que não possuem esse fator são denominadas Rh negativas (Rh-).
A grande maioria da população mundial é Rh+ porque esse genótipo é dominante em relação ao grupo Rh-.
O fator Rh tem grande importância clínica pois uma pessoa com Rh- recebendo sangue de um doador com Rh+ poderá desencadear a produção de anticorpos anti Rh. Isso também pode ocorrer em casos de mães Rh- e pais Rh+ que geram crianças Rh+. Principalmente na época do parto as mães podem ser expostas ao sangue do bebê. Isso pode acarretar a produção de anticorpos anti Rh quando a presença do bebê estimula a produção de anticorpos da mãe. Os anticorpos podem chegar até ao feto prejudicando sua saúde por desenvolver a eritroblastose fetal ou doença hemolítica do recém-nascido. Um médico pode contornar esse problema acompanhando a gravidez da mãe com Rh- e administrando adequadamente imunoglobulina anti-Rh.
Tabelas de tipos sanguíneos.
Os genótipos dos descendentes de pais com diferentes genótipos são apresentados nas tabelas abaixo, tanto para o sistema ABO quanto para o Rh. Atente para o fato de que o fenótipo do filho ou filha é sempre dado pelo fator dominante. No sistema ABO os dominantes são A e B. Por exemplo, uma pessoa com genótipo IAi é do tipo A. Para ser do tipo O a pessoa deve ter genótipo ii. Dá para ver, pela tabela, que esse fenótipo é raro. No Rh, o dominante é Rh+. Para ter Rh negativo a pessoa deve ter genótipo rhrh (isto é, – -), o que também não é comum. As tabelas apresentam as diversas combinações possíveis herdadas pelos filhos (em amarelo).
Na Tabela 2, Rh significa Rh+ e rh significa Rh-.
Para ilustrar o uso dessas tabelas, vamos responder a uma das perguntas do início:
Meus pais têm o tipo sanguíneo A+ e A-; tem como eu ser O-?
Primeiro, vejamos se um filho de pais A pode ser O. Para isso, usamos a Tabela 1.
Como os pais são do tipo A, seus genótipos podem ser IAIA ou IAi.
Se ambos forem IAIA, o filho só pode ser IAIA, isto é, será necessariamente do tipo A. Se um dos pais for IAIA e o outro for IAi, o filho novamente será A, pois seus genótipos poderão ser IAIA ou IAi e o A é dominante sobre o i. Mas, se ambos forem do tipo IAi, há uma chance do filho ser O (genótipo ii), como vemos no encontro da linha 4 com a coluna 4.
Portanto, o filho pode ser do tipo O, embora a probabilidade maior seja A.
Para ver se o filho pode ser O- usamos a Tabela 2.
Digamos que o pai seja (+) e a mãe seja (-). Usamos, portanto, as colunas 1 ou 2 (RhRh e Rhrh) e a linha 3 (rhrh). Como vemos, há uma chance (1/8) do filho ser (-) (rhrh).
Logo, a resposta é: pais A+ e A- podem ter filho O-.