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Números perfeitos

UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DOS NÚMEROS PERFEITOS

DOUGLAS DANIEL

Em 31 de Março de 1999, a Electronic Frontier Foundation (EFF) lançou um desafio com um prêmio de US$ 250.000,00 que será dado a quem encontrar o primeiro número primo com no mínimo 1.000.000.000 de dígitos. O desafio permanece em aberto e vem gerando várias procuras por números primos e, consequentemente, números perfeitos.

A história dos números perfeitos é antiga, e passa por muitos matemáticos. Começa com a descoberta destes números na época dos pitagóricos (por volta de 540 a. C.), matemáticos que faziam parte da escola criada por Pitágoras, uma irmandade ligada por ritos secretos e cheia de misticismos. Os pitagóricos acreditavam que o número é o conceito fundamental do universo. Eles classificavam os números de diversas formas: números amigos, figurados, triangulares, pentagonais, primos, etc. A forma mais importante é a da    primalidade; um número é chamado de número primo se nenhum outro número, além do 1  e dele próprio, pode dividi-lo. Por exemplo, o número 13 é primo pois só é divisível por 1 e por 13. Outra das classificações que mostra características muito interessantes é a da perfeição de um número. Segundo essa classificação, um número é chamado deficiente se a soma de seus divisores (sem contar o próprio número) é menor do que ele mesmo. Sendo assim, o número 8 é deficiente pois seus divisores, 1, 2 e 4, somados dão 7. Da mesma forma, o número 12 é chamado excessivo ou abundante porque a soma de seus divisores são maiores que 12 (1+2+3+4+6 = 16 > 12). Os mais importantes são aqueles que são exatamente a soma de seus divisores. Por exemplo, o número 6, cujos divisores são 1, 2 e 3 (1+2+3=6). Por conta disso, os pitagóricos diziam que estes números representavam a perfeição e os denominaram números perfeitos. Fazendo essa classificação, os pitagóricos procuravam encontrar propriedades especiais dos números e dar significado a elas, propriedades estas que foram estudadas também por outros matemáticos, e outros povos.

Após os pitagóricos, o próximo matemático a fazer parte da história dos números perfeitos foi Euclides (~300 a. C.), cujo seu IX livro dos Elementos contém, além da definição de números perfeitos, uma proposição muito particular a respeito desses números:

Se tantos números quantos se queira começando a partir da unidade forem dispostos continuamente numa proporção duplicada até que a soma de todos resulte num número primo, e se a soma multiplicada pelo último origina algum número, então o produto será um número perfeito”.

 O que quer dizer, na linguagem matemática atual, que se um número da forma 2n-1 é primo, então o número 2n-1(2n-1) é um número perfeito. Isso fez com que fosse mais fácil encontrar números perfeitos e foi, de fato, a primeira fórmula para se encontrar tais números. Um exemplo de um número perfeito encontrado usando a fórmula é colocando o número 5 no lugar de n:

25-1(25-1) = 24(25-1) = 16(32-1) = 16×31 = 496.

Os gregos antigos só conheciam os quatro primeiros números perfeitos: 6, 28, 496 e 8.128, calculados a partir da fórmula de Euclides para n = 2, 3, 5 e 7, respectivamente. Por conta disso, um Neo-pitagórico chamado Nicômaco de Gerase (Palestina, aprox. 100 d. C.) fez afirmações baseadas nestes quatro primeiros números. Ele afirmou que se 6 tinha um dígito, 28 tinha dois, 496 tinha três e 8.128 tinha quatro, o próximo número perfeito teria cinco dígitos. Outra afirmação foi que o próximo número perfeito seria gerado a partir do número primo 11, já que os primeiros haviam sido gerados pelos primeiros números primos. Ou ainda, que os números perfeitos alternavam o final entre 6 e 8. Todas essas afirmações foram sendo derrubadas com as descobertas dos próximos números perfeitos. O quinto número perfeito, 33.550.336, foi acrescido à lista no século XV, e com oito dígitos derrubou as duas primeiras afirmações de Nicômaco, pois é gerado a partir do número n = 13 e não n = 11. A última afirmação de Nicômaco foi quebrada quando foi descoberto o sexto número perfeito, 8.589.869.056 que também termina em 6.

Outra propriedade dos números perfeitos é que se um número é perfeito e par, então ele é triangular, o que significa que ele pode ser escrito da forma de uma soma de números em sequência:

6 = 1+2+3

28 = 1+2+3+4+5+6+7

496 = 1+2+3+4+5+…+31

8.128 = 1+2+3+4+5+…+127

A perfeição dos números foi constatada posteriormente quando foi observado que a Lua demora 28 dias para dar uma volta completa sobre a Terra; e também quando Santo Agostinho em seu livro A Cidade de Deusdisse:

“O número é perfeito em si mesmo e não porque Deus criou todas as coisas em seis dias. O inverso é mais verdadeiro, Deus criou todas as coisas em seis dias porque este número é perfeito. E continuaria perfeito mesmo que o trabalho de seis dias não existisse”.

Alhazem, por volta de 1.000 d. C., percebeu que a volta da proposição de Euclides era válida para números perfeitos pares, ou seja, se um número era perfeito par então ele era da forma 2n-1.(2n-1), mas não conseguiu demonstrar. Realmente, Alhazem estava correto em sua afirmação e Leonhard Euler, um matemático suíço do século XVIII, provou essa afirmativa. Euler foi um dos matemáticos mais produtivos de todos os tempos, se não o mais produtivo, e foi um exemplo, pois mesmo após ficar cego continuou produzindo artigos e trabalhos. Um matemático que deve tê-lo inspirado muito foi Pierre de Fermat, que não tinha a matemática como profissão, mas criou um problema que durou por 358 anos (Último Teorema de Fermat) para ser resolvido. Ele também estudou propriedades dos números perfeitos, inclusive, a partir destes estudos, pode ter criado um teorema que ficou conhecido como Pequeno Teorema de Fermat.

Com a prova de Euler a busca por números perfeitos se resumiu à busca por números primos da forma 2n-1, mais conhecidos como Primos de Mersenne, nome dado em homenagem a Marin Mersenne, um matemático que estudou esses números. Assim a procura por números perfeitos ficou mais simples.

Para que 2n-1 seja primo é necessário que n seja primo, mas se n é primo isso não quer dizer que 2n-1 também o é. Um caso que mostra esse fato é para n = 11, onde 211-1 = 2.047 não é primo (2047 = 23×89). À medida que os números se tornam grandes a dificuldade de ver se eles são primos é muito maior, por exemplo, 21000 é um número imenso, e para ver se ele é primo ou não precisamos dividi-lo por vários números primos antes dele, que também são muitos, para confirmar que ele realmente não é divisível por nenhum número antes dele. A prova de Euler também não dizia nada sobre números perfeitos ímpares, o que significa que se existe algum número perfeito ímpar ele não será encontrado utilizando essa fórmula.

Edouard Lucas, o matemático criador da Torre de Hanoi, também teve papel importante na história dos números perfeitos. Ele provou que todos os números perfeitos pares terminam em 16, ou 28, ou 36, ou 56, ou 76, ou ainda 96. E, além disso, mostrou que o número 2127 – 1 é primo e este é o maior número primo de Mersenne encontrado antes da era do computador.

Com o surgimento dos computadores a busca por números primos de Mersenne e por números perfeitos se potencializou e vários números foram encontrados. Até 1985 já eram conhecidos 30 números de Mersenne e assim, 30 números perfeitos. Outra propriedade sobre números perfeitos descoberta após a chegada do computador foi que todo número perfeito escrito em linguagem binária (linguagem só de zeros e uns) é formado por uma sequência de n uns seguidos por n-1 zeros, onde n é o mesmo n da fórmula 2n-1(2n-1). Por exemplo:

2(22-1) = 6 = (110)2

22(23-1) = 28 = (11100)2

24(25-1) = 496 = (111110000)2

26(27-1) = 8.128 = (1111111000000)2

212(213-1) = 33.550.336 = (1111111111111000000000000)2

Além da maior procura por números perfeitos, a procura por números primos de qualquer gênero se tornou importante com o surgimento da criptografia, um estudo de técnicas que transformam informações em códigos legíveis apenas pra quem tem a chave de segurança. Hoje em dia todo o sistema de segurança de dados, seja de bancos ou militares ou até de compras, são baseados em criptografia, e a base da criptografia são os números primos. Existe uma afirmação (Teorema Fundamental da Aritmética) que diz que todo número é primo ou produto de primos, o que significa que um número com 30 milhões de dígitos pode ser escrito de forma única como um produto de números primos. Dessa forma, uma pessoa pode esconder informações em números e só quem sabe quais são os primos que multiplicados dão aquele número é que saberá qual é o código. A vantagem disso é que leva muito tempo para se calcular os fatores primos de um número grande e, quando alguém finalmente descobre o código, esse número já mudou e a descoberta não serve para nada.

A EFF é uma empresa de segurança de dados que, além do prêmio de US $250.000,00, também lançou os prêmios de US $50.000,00, US $100.000,00 e US $150.000,00 para a pessoa ou grupo que encontrasse primos com 106, 107 e 108 dígitos, respectivamente. O objetivo da empresa é proporcionar a descoberta de números primos maiores, pois com números maiores a criptografia se torna mais elaborada e difícil de ser quebrada e assim, a qualidade da proteção de dados fica cada vez melhor.

Em 1996, foi criado o GIMPS (Great Internet Mersenne Prime Search), que é um grupo que procura por números primos de Mersenne. Ele se baseia na procura coletiva por números primos de Mersenne. Um software é instalado no computador de quem faz parte do grupo e este computador ajuda a calcular candidatos a primos de Mersenne. Esse grupo, no dia 6 de abril de 2000, ganhou o prêmio de US$ 50.000,00 por ter encontrado o primeiro primo com 106dígitos. E, em 23 de agosto de 2009, encontraram o primeiro primo de Mersenne com 107dígitos, o que lhes rendeu, em 22 de Outubro do mesmo ano, o prêmio de US $ 100.000. A diferença entre a data da descoberta e da concessão do prêmio é devida à confirmação da descoberta do número (constatação de que ele é realmente primo).

Os prêmios de US$ 150.000,00 e US$ 250.000,00 ainda continuam sem um ganhador e a procura por números perfeitos continua. Hoje são conhecidos 47 primos de Mersenne (e 47 números perfeitos) dos quais o maior deles tem 12.978.189 dígitos. O último encontrado até o momento é um pouco menor com 12.837.064, que foi descoberto em 2009 por Odd MagnarStrindmo, na Noruega utilizando o programa do GIMPS, Prime95. De 2009 até hoje não foi encontrado nenhum primo de Mersenne maior que esse.

 

BIBLIOGRAFIA:

Perfect numbers: an elementary introduction, John Voight

Introdução à História da Matemática, Howard Eves

A Rainha das Ciências, Gilberto Geraldo Garbi

O Último Teorema de Fermat,Simon Singh

http://www-history.mcs.st-and.ac.uk

https://seara.ufc.br/especiais/matematica/problemasfamosos/matematica3.htm

http://www.mersenne.org/

http://www.eff.org/

http://www.nytimes.com/library/tech/99/08/biztech/articles/27code.html

Acessados pela última vez em: 12 de Março de 2012

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