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Universidade Federal do Ceará
Seara da Ciência

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Apostilas sobre a origem dos elementos.

Os cientistas, pessoas enxeridas, querem saber a origem de tudo que existe nesse mundo. No século 18, Charles Darwin escandalizou o mundo quando mostrou, de modo irrefutável, que todos os seres vivos, inclusive nós humanos, surgiram inicialmente como formas muito primitivas que foram gradualmente evoluindo. Nada de Adão e Eva criados já prontinhos, com barba, unha e umbigo.

Os físicos do século 20 foram ainda mais longe pois quiseram saber como se formou o próprio universo. E verificaram que, para saber como surgiu o universo, precisavam saber como surgiram os elementos químicos. Essa foi uma tremenda aventura intelectual que ainda hoje está ativa, como veremos nas apostilas que D. Fifi nos enviou e que estamos repassando para vocês a seguir. Nelas, veremos que os físicos estão seguros de que podem descrever o universo desde frações de segundo após ele ter surgido, no famoso “big bang”. Nas palavras da própria D . Fifi:

“Se você concorda com as afirmativas dessa turma, terá de admitir que o criador do universo limitou-se a acender o pavio do big bang. A partir desse instante, a mãe natureza e suas leis inflexíveis tomaram conta do espetáculo. O todo-poderoso, após o instante zero da criação, simplesmente preferiu sair de cena, ficando ‘com as vastas mãos abanando’, como disse o poeta.”

É claro que, como toda teoria científica, também essa tem de passar pela peneira da confirmação experimental. Nas apostilas que se seguem, D. Fifi nos mostra algumas das evidências que já foram coletadas para uma explicação plausível da origem dos elementos químicos.

Apostila 1: Os elementos químicos que formam o universo.

Espero que você já tenha lido minhas apostilas sobre a fissão nuclear e saiba o que é um núcleo e o que são o número de massa (A) e o número atômico (Z). Se não leu, melhor ler agora para entender melhor o que vou contar a seguir.
Um elemento químico, como o hidrogênio, o carbono ou o ferro, é identificado por seu número atômico, que diz quantos prótons existem em seu núcleo. A tabela periódica, invenção do incrível russo Mendeleyev, organiza esses elementos por suas características químicas. Elementos além do número atômico 93 não são naturais mas podem ser fabricados em aceleradores.

Dos elementos naturais, só uns poucos são realmente abundantes no universo. A maioria é muito rara. Veja, na figura abaixo, um gráfico da abundância dos elementos no universo. Um gráfico como esse é o resultado de anos e anos de observações, utilizando técnicas variadas e muita criatividade.

Algumas coisas devem ser entendidas nesse gráfico. Primeiro, só são mostradas as abundâncias dos elementos até o número atômico 35. Daí em diante, a quantidade de elementos encontrados na natureza é tão pequena que nem precisa ser mostrada.
E mais: a barra vertical do gráfico está em escala logarítmica. Observe, por exemplo, que o hidrogênio é 10.000 (104) vezes mais abundante que o carbono no universo. Finalmente: a abundância de cada elemento está descrita em relação à abundância do silício. Por exemplo, para cada milhão (106) de átomos de Si, existem 10 milhões (107) átomos de carbono.

O elemento mais abundante é exatamente o mais leve e simples de todos, o hidrogênio (1H1), com apenas um próton em seu núcleo. A seguir, vem o hélio (4He2), com 2 prótons e 2 nêutrons no núcleo. Esses dois elementos são tão abundantes que, apesar de serem os mais leves, 98% da massa do universo é feita deles. Desses, 73% são de hidrogênio e 25% de hélio.

O resto é só 2% mas é claro que é muito importante. Afinal, nós somos feitos de carbono, oxigênio, cálcio, ferro etc.

Nas próximas apostilas vamos falar sobre a origem desses elementos. Como veremos, esse assunto está inevitavelmente entrelaçado com a origem do próprio universo. Antes, porém, quero comentar sobre uma curiosa mancada cometida pelo grande Albert Einstein, o cara que passeia de bicicleta por essas páginas. Einstein, ao desenvolver uma cosmologia associada a sua teoria da relatividade geral, supôs que o universo era estático, imutável, estando aí como sempre esteve, sem começo nem fim. Desse jeito, o modelo do velho Albert não diferia muito do modelo dos filósofos da antiguidade, como Aristóteles, por exemplo. Se o universo fosse realmente assim, nem faria sentido perguntar como ele surgiu. Com todo o respeito que Einstein merece, essa sua cosmologia foi uma tremenda asneira, como ele próprio depois reconheceu. Quem abriu os olhos de Einstein foi uma observação experimental, feita por Edwin Hubble: o universo não tem nada de estático, mas, está se expandindo.

Outros físicos, entre eles George Gamow, raciocinaram: se o universo está se expandindo, um dia ele deve ter sido bem pequeno, talvez apenas um ponto. Foi então que surgiu o famoso modelo do “big bang”, que será o assunto de nossa próxima apostila. Como veremos, esse modelo é fundamental para explicar como se formaram os elementos mais leves, como o hidrogênio e o hélio. Veja que coisa interessante: para entender como se formou a coisa mais enorme que existe, o universo, precisamos saber como se formaram as mais minúsculas, como os núcleos dos átomos. E, o mais importante, esses modelos, hoje em dia, deixaram de ser meras especulações e são objeto de observacões experimentais, ciência da melhor estirpe. Vamos até lá.

Apostila 2: George Gamow, Fred Hoyle e o Big Bang.

George Gamow

Antes mesmo das observações de Hubble mostrarem que o universo está se expandindo, os cosmologistas Alexander Friedman e Georges Lemaître já teorizavam sobre a possibilidade do espaço estar inchando continuamente. Na década de 40, o físico russo George Gamow, do qual falarei mais adiante, levou essa idéia até seu extremo: se o universo está inchando, então, em algum momento do passado, ele deve ter sido bem pequeno, talvez um ponto de enorme densidade e altíssimas pressão e temperatura. Essa idéia, porém, era desagradável para os ouvidos de quem preferia um universo eterno e imutável, sem começo e, principalmente, sem fim.

Fred Hoyle

Nessa mesma época, surgiu uma hipótese alternativa, lançada pelos ingleses Fred Hoyle, Thomas Gold e Herman Bondi. Esses caras, principalmente os dois primeiros, não são nem um pouco tímidos quando se trata de fazer suposições arrojadas. Já fizeram várias. A que nos interessa no momento é a que diz que o universo está e sempre esteve em um estado estacionário. O que quer dizer isso? Como não podem negar a evidência observacional de que o universo está se expandindo, eles afirmam que, apesar dessa expansão, a densidade permanece constante. Já que o volume aumenta continuamente, eles propõem que a matéria está sendo continuamente gerada do nada, com a criação de novos átomos a partir do vácuo.

Para quem acha essa história de matéria ser criada do nada difícil de engulir, eles argumentam: quem acredita que o espaço está sendo gerado do nada, quando o universo se expande, pode muito bem aceitar que a matéria também surge do nada. Ou ainda: em vez de um big bang gigantesco há 15 milhões de anos, podem estar acontecendo, a todo instante, pequenos big bangs de onde surgem os núcleos necessários para manter a densidade constante. Na verdade, a criação de matéria necessária para isso é minúscula e, certamente, passaria despercebida dos observadores. Um cálculo simples mostra que basta que surja um átomo de hidrogênio por século para cada 1000 metros cúbicos de espaço.
Bem, as coisas estavam nesse pé nas décadas de 50 e 60. Os físicos e cosmologistas se dividiam entre as duas propostas e se atacavam mutuamente. O próprio nome do big bang foi lançado por Hoyle, em um programa de rádio, com a intenção de ridicularizar o modelo e seus defensores. Para azar dele, o nome pegou e tornou-se um termo científico respeitável.

Mas, o que isso a ver com a origem dos elementos? Tudo a ver, pois se algum dos dois modelos rivais conseguir explicar a origem dos elementos, e essa explicação puder ser testada experimentalmente, a escolha está feita.

Inicialmente, Gamow propôs que todos os elementos, dos mais leves aos mais pesados, tinham se originado nos primeiros instantes do big bang, quando a pressão e a temperatura eram suficientemente altas para promover a fusão dos núcleos leves em núcleos mais pesados. Nesse ponto, os cálculos emperraram, como vou contar na próxima apostila. Não dava para responsabilizar o big bang pela criação dos elementos mais pesados.

Na apostila seguinte veremos como o modelo do big bang explica a criação dos elementos mais leves. Durante algum tempo a dificuldade de explicar a origem dos outros elementos pesou contra esse modelo, mas, hoje já se tem uma idéia mais clara de como resolver esse problema. É o que veremos a seguir.

Apostila 3: A formação dos elementos leves logo após o Big Bang.

Os físicos afirmam que sabem bem direitinho o que aconteceu nos primeiros segundos e minutos após o big bang. Segundo eles, o universo, nesses instantes iniciais, era essencialmente simples e fácil de ser descrito, pois só continha partículas elementares livres e fótons, tudo em equilíbrio térmico. Se você tem curiosidade de saber o que aconteceu nesses instantes pós-parto, leia o livro “Os três primeiros minutos”, de Steven Weinberg, muito bem cotado nas paradas de sucesso.
Já nossa narrativa pode começar depois desse terceiro minuto, pois só a partir desse instante os elementos começaram a se formar. George Gamow e seus parceiros inicialmente achavam que os núcleos de todos os elementos poderiam ter se formado logo após esse terceiro minuto, pois as condições de temperatura e pressão eram adequadas. Essas condições estão mostradas no gráfico abaixo.

Três minutos após o big bang o universo tinha uma temperatura de um bilhão de Kelvins. Era feito, praticamente, de nêutrons livres e fótons, em equilíbrio térmico. Só que um nêutron livre vive apenas cerca de 10 minutos antes de virar um próton. Desse modo, rapidamente o universo ficou cheio de nêutrons e prótons. Como a pressão era enorme, um nêutron podia reagir com um próton e formar um núcleo de deutério, que, como você sabe, é um isótopo do hidrogênio. A figura ao lado mostra alguns tipos de reações que aconteceram nesses minutos iniciais do universo. Como você vê, logo se formaram os núcleos de dois isótopos do hidrogênio, o deutério (d) e o trício (t), e de dois isótopos do hélio, o hélio-3 e o hélio-4. Esse último é nossa conhecida partícula alfa, que tem grande estabilidade. Além dessas reações, também podia ocorrer uma que formava um núcleo de lítio, com 3 prótons. Mas, sua freqüência era baixíssima, comparada com as quatro vistas ao lado. Todas essas reações liberam energia em forma de radiação gama.

Você poderia tomar gosto e sair formando outros núcleos, com 5 ou mais partículas. Só que a natureza tem seus truques e resolveu que um núcleo com 5 partículas é altamente instável e não sobrevive. O mesmo acontece se juntarmos dois núcleos de hélio para formar um núcleo de massa 8. Não existem núcleos de massa 8. Esse capricho da natureza azedou os cálculos de Gamow e sua gente. Simplesmente, não dá para formar núcleos além do hélio (e um pouco de lítio), nas condicões do big bang. E o resto, de onde vem? Como veremos na próxima apostila, o resto vem das estrelas.
Qualquer químico de meia tijela pode calcular quanto hélio, deutério e trício devem ter se formado nessas reações, desde que saiba quantos nêutrons e prótons estavam disponíveis três minutos após o big bang. É claro que esse número de nêutrons e prótons da sopa primordial é muito difícil de ser estimado mas, ainda assim, os números relativos dos núcleos leves podem ser facilmente calculados. Desse modo, o modelo do big bang fazia uma previsão muito restritiva: para cada 10 núcleos de hidrogênio deve haver um núcleo de hélio no universo. Em termos de massa, isso equivale a dizer que cerca de 25% da massa do universo deve ser de hélio.

Essa previsão é bastante restritiva. Se concordar com a observação experimental, o modelo ganha muita credibilidade. Se não, vai para a lata do lixo. Para alegria dos torcedores do big bang, a concordância é excelente, como mostra a figura ao lado, e é considerada como uma das mais fortes evidências da robustez do modelo.
Note que praticamente todo o hélio que há no universo foi gerado no big bang. Mas, parte do trício e do deutério gerados no big bang foi queimada no interior das estrelas. Realmente, a espectroscopia mostra que há deutério nas estrelas jovens e quase nenhum nas mais velhas. Esse ajuste foi levado em conta nos números da tabela ao lado.

A seguir, veremos como se formaram os outros elementos mais pesados que o hélio.

Apostila 4: A formação de elementos intermediários no centro das estrelas.

Curiosamente, foi o próprio Fred Hoyle, adversário ferrenho do modelo do big bang, que comentou que todo o hélio que existe hoje não poderia ter sido gerado nas estrelas. Como ele mostrou, se isso fosse verdade, a energia liberada na formação desses núcleos de hélio faria com que nossa galáxia fosse 10 vezes mais brilhante do que é.
No entanto, o big bang só produziu o hidrogênio, o hélio e uma minúscula quantidade de lítio. Com o rápido resfriamento do universo em expansão, não houve tempo nem condições para a síntese dos outros elementos. Mas, é claro que eles existem. Núcleos de elementos só podem ser produzidos em locais muito quentes e densos. No universo depois do big bang os únicos lugares com tais características são os centros das estrelas. De fato, as evidências espectroscópicas colhidas pelos astrofísicos mostram que os núcleos dos elementos são rotineiramente produzidos nas estrelas. Resta saber como essa produção acontece e como os elementos produzidos conseguem escapar da estrela. Vamos começar descrevendo as reações.

Começaremos falando do chamado “ciclo próton-próton”, que é o mais simples e equivale ao que ocorreu logo após o big bang. O mesmo processo pode acontecer no interior de uma estrela, desde que a temperatura lá dentro ultrapasse 107 K e a pressão seja bem alta. A reação inicial é a seguinte:

1H1 + 1H1 —> 2D1 + e+ + n + energia
Em bom português: dois núcleos de hidrogênio (prótons) reagem entre si formando um núcleo de deutério, liberando um pósitron (anti-elétron com carga positiva), um neutrino e um bocado de energia. O pósitron criado logo se junta a algum elétron que esteja por perto (sempre tem um bocado deles) e os dois se aniquilam mutuamente em um festival de radiação de alta energia. O neutrino vai embora e não tem quem o segure, pois ele não interage com ninguém. Esse neutrino é um personagem curioso, que merece uma narrativa no futuro.
Só o deutério sobrevive e irá participar de outras reações, do tipo que vimos na apostila anterior. No final dessas reações, surge o hélio-4, núcleo muito estável, com dois prótons e dois nêutrons, nossa conhecida partícula alfa. A enorme energia gerada nessas reações serve para contrabalançar a gravidade que tenta, sem cessar, esmagar todo o material da estrela.

Quando o hélio começa a predominar sobre o hidrogênio, a estrela começa a esfriar por falta de combustível. A parte central se contrai e a pressão aumenta. Esse aumento de pressão possibilita o surgimento de outros tipos de reação, com a produção de outros núcleos. A reação inicial desse novo processo é:

4He2 + 4He2 —> 8Be4 + energia
Formam-se núcleos do elemento berílio-8 e a energia produzida volta a aquecer a estrela até uns 108 K. Como eu já disse, esse berílio-8 é extremamente instável e logo decai. Mas, no centro das estrelas a densidade é tão grande que muitos núcleos de berílio-8, antes de decairem, conseguem reagir com os abundantes núcleos de hélio-4, formando o carbono-12:

8Be4 + 4He2 —> 12C6 + energia
Por simplicidade, podemos descrever essa síntese do carbono-12 como a junção de 3 núcleos de hélio-4. Esse tipo de mecanismo é chamado de “processo alfa”, por razões óbvias. O processo alfa, caracterizado pela captura de núcleos de hélio-4, pode prosseguir desde que a temperatura no centro da estrela seja suficientemente alta. A seguir, forma-se o oxigênio-16:

12C6 + 4He2 —> 16O8 + energia
Prosseguindo desse modo, aparecem o neon-20, o magnésio-24 e o silício-28. Note que as massas desses elementos pulam de 4 em 4, evidenciando que, em cada processo, um núcleo de hélio-4 é incorporado. Os núcleos de elementos com massas intermediárias são produzidos por outros tipos de reação, o mais comum sendo a captura de nêutrons, prótons ou núcleos de deutério. No entanto, como o processo alfa de captura de hélio é mais freqüente, já que existe muito hélio disponível na estrela, os elementos cuja massa é divisível por 4 são mais abundantes que os outros, como vemos no gráfico:

O processo de criação prossegue como descrito acima até formar o ferro-56. O núcleo de ferro-56 tem 26 prótons e 30 nêutrons, fortemente ligados uns aos outros. Na verdade, o 56Fe26  tem o núcleo mais estável de todos os núcleos conhecidos. Essa alta estabilidade é representada no gráfico abaixo que mostra a energia de ligação por partícula nos núcleos naturais. O ferro ocupa a posição mais alta do gráfico.

O ferro-56 é tão estável que se recusa a fundir com outros núcleos para formar elementos mais pesados. Como vimos antes, a fusão de elementos leves produz energia. A fusão do ferro com qualquer outro núcleo consome energia, pois resulta em núcleos com menor energia de ligação. Portanto, ao atingir o ferro-56 o ciclo de produção de núcleos sofre uma parada. Não há energia suficiente para sintetizar os elementos mais pesados.

A parte central da estrela vai ficando cada vez mais rica em ferro e outros metais parecidos. Esse cerne metálico vai gradualmente resfriando a estrela e o equilíbrio com a gravidade começa a falhar. A estrela entra em colapso. A figura ao lado representa, grosseiramente, a situaçao da estrela nesse estágio.
Restam, agora, dois problemas. Primeiro, de onde vêm os elementos mais pesados que o ferro? E depois, como os elementos que já se formaram na estrela conseguem sair dela?

Essas perguntas intrigantes serão respondidas na próxima apostila.

Apostila 5: Elementos pesados formados nas explosões das supernovas.

Pois bem, uma estrela, em sua vida normal, só consegue produzir núcleos de elementos até o ferro-56. Mas, sabemos que elementos mais pesados existem. O zinco-64 cobre nossos barracões, o bromo-79 está no pão nosso de cada dia, a prata-107 e o ouro-197 estão nos bolsos e cofres dos ricos. Sem esquecer nosso querido urânio-238.
É que existem outros processos, além da captura de núcleos de hélio. O mais freqüente é a captura de nêutrons. Quando a estrela alcança uma pressão bem avantajada, o ferro-56 pode capturar 3 nêutrons e virar ferro-59. Esse ferro-59, com 26 prótons e 33 nêutrons, é instável, com meia-vida de apenas um mês. Ele emite uma partícula beta (elétron) e vira cobalto-59, com 27 prótons e 22 nêutrons.

Esse processo de captura de nêutrons pode prosseguir até chegar ao bismuto-209. O processo todo leva anos para se completar e, por essa razão, é chamado de “processo lento de captura de nêutrons”, ou, simplesmente, “processo-s”, onde a letra “s” significa slow. Mas, esse processo lento só consegue produzir elementos até o bismuto-209. E os outros? E o urânio-238?

Os pesadões são produzidos por outro processo, o “processo-r”, onde o “r” significa rápido. Trata-se de um tipo de captura de nêutrons que só pode ocorrer em condições super-especiais, nos momentos finais da vida da estrela, se ela tiver uma massa bem superior à massa do Sol. Depois que todos os processos descritos acima, inclusive o lento, se esgotam, a estrela não tem mais como segurar o tremendo arrocho da gravidade. A massa toda se contrai rapidamente e a densidade no miolo da estrela cresce tanto que os elétrons são engulidos pelos prótons, produzindo nêutrons e neutrinos, muitos neutrinos. A estrela vira uma enorme bola de nêutrons com densidade semelhante à densidade no interior de um núcleo atômico. Nesse ponto, a estrela explode espetacularmente como uma supernova.

O drama todo dura poucos minutos e é nessa ocasião que se formam os elementos mais pesados, inclusive o urânio-238. Como esse tipo de evento é relativamente raro, não é de admirar que os elementos pesadões sejam tão pouco abundantes. Depois que a estrela explode como uma supernova, seu material se espalha pelo espaço na forma de enormes nuvens e, eventualmente, chega às outras estrelas e aos planetas, como a Terra, por exemplo. A figura ao lado, mostra a nuvem de matéria remanescente de uma famosa supernova que foi observada no ano de 1054.
Você deve estar se perguntando como é que os astrofísicos sabem essas coisas se ninguém pode chegar perto de uma estrela, ainda mais se ela está explodindo. Bem, posso garantir que as evidências são muito expressivas. Só que eu não vou contar como elas são obtidas. Se eu contar tudo vou estragar sua curiosidade e espero que essa curiosidade lhe induza a ler mais sobre esses assuntos e, quem sabe, você pode acabar virando um astrofísico.

Apostila 6: Como George Gamow preferiu a liberdade.

Quando eu estava na Europa (não perguntem o ano), um amigo me levou a Bruxelas, onde acontecia uma das famosas Conferências de Solvay, ponto de reunião dos maiores físicos da época. Pois lá, em meio a dezenas de austeros sábios, surgiu um cidadão que falava alto, ria mais alto ainda, gostava de contar piadas e beber vodca.

Autoretrato de George Gamow

Era George Gamow, acompanhado de perto por sua mulher, Rô. Não tinha sido nada fácil para ele conseguir licença das autoridades soviéticas para comparecer a um congresso de físicos ocidentais. A feroz ditadura de Stalin já estava fazendo seus estragos, com milhões sendo presos e assassinados, e não via com bons olhos a cooperação com cientistas estrangeiros. Assim mesmo, com interferência de Niels Bohr, Gamow conseguiu ser convidado por Paul Langevin, físico francês que era comunista e tinha algum prestígio com os russos. Mesmo assim, Gamow ainda precisou de usar muita saliva para trazer consigo a mulher, como secretária. Uma vez no ocidente, Gamow preferiu a liberdade. Trabalhou uns anos na França e na Dinamarca, onde se dava muito bem com Niels Bohr, e acabou indo para os Estados Unidos, onde ficou até morrer.

Gamow era uma grande figura. Passou todo o Congresso galinhando de um lado para o outro e chegou a me passar uma cantada, quando a mulher se distraiu. Não fui na dele, mas não pude deixar de simpatizar com o descarado. As histórias sobre Gamow são sempre divertidas. Depois que ele e Ralph Alpher escreveram o artigo “The Origin of Chemical Elements”, Gamow convenceu o amigo Hans Bethe, famoso por ter explicado o funcionamento das estrelas, a assinar como co-autor. Bethe aceitou, mas, só depois descobriu a razão: o russo queria que os nomes dos autores (Alpher, Bethe, Gamow) lembrasse a seqüência a, b, g.

Mário Schoenberg

Gamow esteve no Brasil e, na ocasião, convidou o físico pernambucano Mário Schoenberg para trabalhar com ele em Washington. Schoenberg foi e, chegando lá, encontrou Gamow aperreado por não saber explicar porque as supernovas implodem. O brasileiro era quase totalmente ignorante em astrofísica, mas, assim mesmo, arriscou um chute: “Acho que você está esquecendo de levar em conta os neutrinos”. Bem na mosca! Imediatamente, Gamow compreendeu que era esse o mecanismo que faltava para o modelo que desenvolvera. Como dissemos, os neutrinos são produzidos aos montões no centro da estrela que está no fim da vida. Como não interagem com ninguém, esses neutrinos abandonam a estrela carregando consigo uma enorme quantidade de energia. É o suficiente para romper o precário equilíbrio que mantém a estrela, deixando a gravidade esmagar a matéria de dentro para fora em poucos minutos.

Como não podia deixar de ser, Gamow fez outras de suas brincadeiras e deu a esse mecanismo o nome de “Processo Urca”. No Rio de Janeiro, ele visitara o Cassino da Urca, onde vira como o dinheiro sumia rapidamente nas roletas, implodindo as carteiras dos otários, como os neutrinos escapavam da estrela moribunda.
Os astrofísicos, que não sabiam disso, acharam que a palavra Urca era uma sigla, talvez de “Ultra Rapid Catastrophe”. Não conheciam com quem tratavam, os coitados.

Perto do fim da vida, Gamow passou a se dedicar à Biologia. Entre outras coisas, bem antes de qualquer biólogo, propôs um modelo de código genético presente na estrutura do DNA, não muito diferente do que foi desenvolvido bem mais tarde.

Além de ter sido um dos maiores físicos do século 20, Gamow teve uma grande qualidade: escreveu uma série de deliciosos livrinhos de divulgação científica para o público leigo. Muito físico de renome, depois disso, declarou que tinha escolhido a profissão estimulado pela leitura dos livros de Gamow.

Eu mesma, que não sou física nem tenho renome, fui levada a escrever essas apostilas tentando seguir, modestamente, o exemplo do russo, que deve estar, nesse momento, tomando vodca e discutindo ciência com Niels Bohr e o acendedor do big bang.

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