Cometas, Planetas e Galáxias
Newton, Halley e os cometas. Planetas descobertos por matemática. As galáxias e a expansão do universo.
Essa é a imagem de uma galáxia vista por um grande telescópio. Uma galáxia como essa é formada por centenas de bilhões de estrelas como nosso Sol, ou bem maiores que ele. A luz, com toda sua velocidade, leva mais de 100.000 anos para atravessar a galáxia. No universo existem centenas de bilhões de galáxias como essa. Uma delas é a Via-Láctea, a galáxia da qual o Sol faz parte. A Terra é um pequeno planeta girando em torno do Sol, que ocupa uma posição modesta na Via-Láctea (veja a seta indicando a região onde ele fica). Nessa seção especial, vamos fazer um rápido relato de um pedaço da aventura humana que foi o avanço da astronomia, desde os tempos de Newton até hoje.
Edmund Halley, o homem que previu a volta de um cometa. O triunfo da teoria da gravitação de Isaac Newton.
Isaac Newton publicou seu grande livro Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (os Principia) em 1686. Como era costume na época, a obra foi escrita em latim. Nela, ele explicou completamente como os planetas giram em órbitas elípticas, quase circulares, em torno do Sol, sob a influência da força da gravitação, cuja lei ele estabeleceu com detalhes. Na época de Newton, eram conhecidos seis planetas. Na ordem de distância ao Sol são: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno.
Restava explicar o movimento dos cometas, objetos estranhos que apareciam imprevisivelmente, com longas caudas luminosas, e depois de algum tempo desapareciam novamente. Newton, nos Principia, sugeriu que os cometas também tinham órbitas elípticas em torno do Sol, com uma diferença: a elipse era tão alongada que eles só seriam visíveis nas ocasiões em que se aproximavam do Sol e da Terra.
Sendo isso verdade, os cometas teriam passagens periódicas e com datas previsíveis, em princípio.
Edmund Halley era grande amigo de Newton. Halley resolveu tentar comprovar a hipótese do amigo. Em 1695, juntou todas as informações disponíveis sobre as aparições anteriores de cometas. Ele próprio tinha visto um, muito brilhante, em 1682 e anotara sua trajetória
Comparando seus dados, Halley notou que o cometa de 1682 tinha características e trajetória semelhantes a outros, vistos em 1607 e 1531.
Concluiu que deviam ser o mesmo cometa, que se aproximava da Terra a cada 76 anos. Se isso fosse correto, o cometa deveria aparecer novamente em 1758 ou 1759.
Em 1758, tanto Newton quanto Halley já tinham morrido. O astrônomo francês Alexis Clairaut refez os cálculos de Halley, com o auxílio de Hortência Lepaute, verdadeiro computador humano, que passou seis meses fazendo as complicadas contas. Desse modo, ele previu o reaparecimento do cometa para o início de 1759. De fato, o cometa reapareceu em todo seu esplendor e passou pelo ponto mais próximo do Sol ( o periélio ) em 14 de Março de 1759.
Depois disso, o cometa de Halley voltou pontualmente em 1835, 1910 e 1986. Apesar da decepção por sua pouca luminosidade em 1986, não podemos deixar de admirar o trabalho desses grandes sábios. Tomara que você esteja vivo em 2062, quando o cometa de Halley voltar para perto de nós. E tomara que, dessa vez, ele apareça com o brilho que merece.
Duas cientistas do século 18. A história de Hortênsia Lepaute e a infelicidade do astrônomo Le Gentil.
Duas mulheres devem ser mencionadas nesse relato. Uma delas é Gabriele-Émilie Le Tonnelier, marquesa de Chátelet, amiga de Voltaire, bela e inteligente dama da corte Francesa do século 18. Foi ela quem traduziu os Principia para o francês e divulgou o trabalho de Newton na França.
A outra é Hortênsia Lepaute, auxiliar de Clairaut, verdadeira máquina de calcular em uma época em que os computadores não existiam nem em sonho.
Em 1761, o astrônomo Le Gentil, amigo de Hortênsia, foi à Índia para esperar um trânsito do planeta Vênus diante do Sol, que ocorreria oito anos depois em 1769. Como você sabe, esse é um evento astronômico relativamente raro. Enquanto esperava, Le Gentil construiu um observatório, estudou a língua local e preparou-se para o grande evento. Mas, que azar: em Junho de 1769, quando ocorreu o trânsito de Vênus, uma nuvem cobriu o céu e Le Gentil não conseguiu fazer a observação tão esperada.
Decepcionado e arruinado, regressou a Paris sem nenhum dado novo, mas levando consigo uma flor da Índia, desconhecida na Europa. A essa flor ele chamou de hortênsia, homenageando a amiga e eternizando seu nome.
William Herschel, músico e astrônomo, descobre o planeta Urano. 50 anos depois havia gente duvidando das teorias de Newton.
William Herschel nasceu na Alemanha mas viveu na Inglaterra. Era músico de dia e astrônomo de noite. Construiu centenas de telescópios e, com a ajuda da irmã Caroline, catalogou milhares de estrelas e nebulosas.
Em 13 de março de 1781, Herschel observou um objeto celeste que jamais tinha visto. Parecia uma estrela difusa, mas, nas noites seguintes, notou que o objeto estava se deslocando. Pensou ter descoberto um cometa e anunciou suas observações às autoridades astronômicas. Os astrônomos passaram a observar o novo corpo celeste e concluiram que não era um cometa. Tratava-se de um novo planeta, mais distante que Saturno, com órbita quase circular em redor do Sol.
Tinha sido assim descoberto o sétimo planeta do sistema solar. Ao novo planeta foi dado o nome de Urano, para continuar com nomes da mitologia.
Mas, algo estranho começou a surgir. Urano leva 84 anos para dar uma volta em torno do Sol. Depois de uns 50 anos de sua descoberta, as posições observadas de Urano apresentavam desvios da órbita calculada pelos astrônomos. Alguns começaram a desconfiar que a lei da gravitação de Newton poderia não ser inteiramente correta. Talvez, para essas grandes distâncias, a lei de Newton tivesse de ser modificada.
Será que Newton estava errado? Veja no próximo capítulo como esse dilema foi resolvido.
A incrível história do planeta descoberto matematicamente. Outro astrônomo azarado, John Adams. Newton, no final, estava muito certo.
Desde que Urano foi descoberto por Herschel, sua órbita foi calculada levando em conta a atração gravitacional do Sol e a influência dos demais planetas, principalmente Saturno e Júpiter. Após algumas décadas notou-se que a órbita calculada com as leis de Newton desviava-se ligeiramente da órbita observada pelos astrônomos. A confiança na teoria newtoneana era tão grande que a maioria dos cientistas começou a suspeitar que outro planeta, ainda desconhecido e mais distante, estava perturbando um pouco a trajetória de Urano.
Vários cientistas se dedicaram à tarefa de tentar localizar esse novo planeta. Usando as Leis de Newton e os valores da órbita desviada de Urano, talvez fosse possível, matematicamente, calcular a posição do planeta desconhecido. Só que este tipo de cálculo é extremamente elaborado e, naquele tempo, tinha de ser feito à mão. Só dois heróis conseguiram ir até o fim sem desanimar e terminaram seus cálculos quase ao mesmo tempo. Um deles, o inglês John Adams, chegou primeiro ao resultado e enviou uma carta aos astrônomos do observatório de Londres. Mas, Adams era um estudante de apenas 25 anos e os medalhões ingleses deixaram as previsões do jovem calculista na gaveta.
Já o outro era o francês Urbain Le Verrier, astrônomo de prestígio. Ele enviou sua carta ao observatório de Berlim e seu pedido foi atendido imediatamente. Na mesma noite, 23 de Setembro de 1846, o astrônomo alemão Johann Galle apontou seu telescópio para o local do céu indicado por Le Verrier, e de fato, lá estava um ponto luminoso que não constava nos mapas celestes: um novo planeta. Com a notícia do grande feito os ingleses resolveram olhar para o céu na posição indicada por Adams e também viram o planeta previsto matematicamente pelo jovem calculista.
Esse, sem dúvida, foi um dos grandes momentos da história da ciência. Um planeta desconhecido, invisível a olho nu, tinha sido descoberto e localizado através de puros cálculos matemáticos, utilizando o enorme poder da teoria de Newton.
O que são as nebulosas? As origens do Grande Debate.
Se você olhar para o céu em uma noite escura, longe da luminosidade das grandes cidades, verá uma faixa luminosa pontilhada de estrelas que se estende de horizonte a horizonte. Os romanos a chamavam de Via-Láctea, a Estrada Leitosa. É um agrupamento de bilhões de estrelas, uma delas sendo o nosso Sol. Em termos atuais, a Via-Láctea é a galáxia em que vivemos. Hoje se sabe que existem no universo centenas de bilhões de galáxias, algumas tão distantes que a luz delas leva mais de dez bilhões de anos para chegar até nós.
Esse conhecimento é muito recente. Nos tempos de Herschel iniciou-se uma intensa discussão sobre a estrutura do universo. No foco dessa discussão estavam as nebulosas, objetos celestes que pareciam manchas difusas e irregulares. Algumas, como a nebulosa de Andrômeda, podem ser vistas a olho nu. O que eram as nebulosas? Não eram estrelas nem planetas e pareciam nuvens de gás luminoso. Ninguém sabia se elas estavam próximas ou longe de nós.
O grande filósofo Emmanuel Kant achava que as nebulosas eram grandes agrupamentos de estrelas, “universos-ilhas”, como chamava, semelhantes à Via-Láctea, mas tão distantes que não era possível distinguir as estrelas componentes. Segundo ele, as nebulosas seriam estruturas achatadas como uma pizza, girando em torno de seu centro. Como veremos a seguir, o grande filósofo estava completamente correto
Herschel concordava com a hipótese de Kant. Com a ajuda de sua irmã Caroline ele catalogou milhares de nebulosas e tinha certeza que elas estavam muito longe de nós. Outros grandes astrônomos não pensavam assim. Para eles, as estrelas se distribuiam por todo o universo e as nebulosas eram apenas nuvens de gás iluminadas por estrelas interiores. Daí surgiu o chamado “Grande Debate”, que só foi resolvido no início do século 20.
Com o advento de grandes telescópios foram fotografados e analisados muitos desses objetos mas o “Grande Debate” continuava: Harlow Shapley e outros achavam que estas estruturas pertenciam à nossa galáxia. Herbert Curtis achava que eram outras galáxias muito distantes da nossa.
Em 26 de Abril de 1920, esses dois grandes astrônomos se confrontaram perante uma assistência que incluia até Albert Einstein. Desse confronto, finalmente, ficou claro que a intuição de Kant e Herschel estava correta. As nebulosas, em sua grande maioria, são galáxias distantes da Via-Láctea. Assim mesmo, curiosamente, um menor número de nebulosas difusas pertence à nossa galáxia e são agrupamentos locais.
Com esse conhecimento, o estudo das galáxias se intensificou e começaram a surgir novas surpresas. A maior delas foi anunciada por Edwin Hubble em 1929. Veremos isso no próximo capítulo.
Edwin Hubble e o movimento das galáxias. A lei de Hubble e a expansão do universo.
O astrônomo americano Edwin Hubble dispunha do mais poderoso telescópio do mundo, no início do século. Situado no Observatório de Monte Wilson esse telescópio tinha 2,5 metros de diâmetro. Rapidamente, Hubble tornou-se a maior autoridade mundial no estudo das galáxias. Com seu grande telescópio, Hubble conseguia até distinguir estrelas individuais nas galáxias mais próximas.
Usando esse poder de resolução, ele conseguiu medir, com precisão, a distância e o movimento de muitas galáxias.
Os astrônomos pensavam que as galáxias se moviam aleatoriamente, em todas as direções. Para saber se uma galáxia estava se afastando ou se aproximando de nós, Hubble usou o Efeito Doppler na observação da luz enviada pelo objeto. Se você leu nossa seção TINTIM por TINTIM sabe que o comprimento (e, portanto, a cor) das ondas de luz varia com a velocidade relativa da fonte luminosa. As componentes da luz enviada por um objeto luminoso se deslocam para o azul se o objeto estiver se aproximando e para o vermelho, se estiver se afastando.
Para sua surpresa, Hubble descobriu, em 1929, que praticamente todas as galáxias observadas estavam se afastando de nós. E tem mais: quanto mais distante a galáxia, mais rápido seu afastamento.
Matematicamente, a lei de Hubble é uma relação linear que se escreve como:
V = H d.
Isto é, a velocidade de afastamento V de uma galáxia cresce em proporção à distância d até nós. A constante de proporcionalidade H é chamada de constante de Hubble.
O gráfico original de Hubble, visto ao lado, representa a distância em parsecs em função da velocidade, em km/s. Um parsec vale 3,2 anos-luz ou 30,9 trilhões de quilômetrtos.
O valor exato da constante de Hubble ainda está sendo determinado mas praticamente ninguém mais duvida do afastamneto das galáxias. Na verdade, é mais correto dizer que as galáxias se afastam umas das outras, e não especificamente de nós. Conclui-se, daí, que o universo como um todo está se expandindo. Essa expansão, segundo os cosmologistas, teve início em algum instante, cerca de 15 bilhões de anos atrás. Nessa ocasião, toda a matéria e energia do universo atual estava concentrada de alguma forma em um minúsculo ponto de temperatura e densidade além da imaginação. Súbito, algo ocorreu e o ponto começou a se expandir. Esse momento é conhecido como o BIG BANG, nascimento do universo onde moramos. Desde então, nosso universo continua a inchar e ninguém ainda sabe ao certo se essa expansão vai parar algum dia ou se prosseguirá eternamente.
Mas, essa já é outra história e falaremos sobre ela em outra ocasião.
REFERÊNCIAS
A Dança do Universo – Marcelo Gleiser, Companhia das Letras, 1997.
Newton e a Mecânica Celeste – Jean-Pierre Maury , Gallimard, 1990.
Astronomia – Editora Rio Gráfica, 1985.