Descrevendo o Arco-Íris
Um acerto e um engano do grande Isaac Newton.
A foto acima é excelente pois ilustra vários aspectos importantes de um arco-íris. O arco principal parece surgir do meio do campo, deixando claro que vemos uma imagem e não um objeto real. As cores nesse arco vão do violeta ao vermelho, que é a cor mais externa. À direita, vemos um arco secundário, menos intenso e com a ordem das cores invertida. Logo abaixo do arco principal, podemos ver um tênue arco “supernumerário” levemente azulado. Esse arco terá papel importante nesse nosso relato. Abaixo do arco principal e do supernumerário o céu é mais claro e esbranquiçado, e é mais escuro entre os arcos primário e secundário.
Todas essas características, além de outras que não citamos, podem ser explicadas pelos modelos físicos desenvolvidos desde o tempo de Aristóteles até hoje. O físico brasileiro Moisés Nussenzveig deu importantes contribuições para o entendimento moderno do arco-íris e de outros fenômenos óticos da atmosfera.
Nas páginas seguintes, vamos descrever algumas dessas propriedades do arco-íris e relatar como elas são explicadas pelos especialistas. Nesse relato, ficará evidente o papel preponderante do grande sábio inglês Isaac Newton. Entretanto, veremos também que certas peculiaridades do arco-íris acabaram contribuindo para a derrocada do chamado modelo corpuscular da luz, tão caro a Newton e seus seguidores.
Isaac Newton, Christian Huygens e os modelos da luz.
Isaac Newton demonstrou experimentalmente que a luz branca do Sol é constituída de uma mistura de cores que podem ser separadas por um prisma de vidro. Os experimentos de Newton estão relatados em outro local dessas páginas.
Newton achava que a luz é formada de partículas, ou “corpúsculos”. Cada cor teria um tipo próprio de corpúsculo. No ar, todos os corpúsculos viajariam com a mesma velocidade e a luz branca seria uma combinação dos efeitos de todos eles. Ao passar pelo prisma, porém, cada tipo de corpúsculo teria uma velocidade diferente. Os corpúsculos da luz vermelha teriam maior velocidade e seriam menos desviados que os corpúsculos da luz violeta, mais lentos.
Nem todo mundo concordava com o modelo corpuscular adotado por Newton. O holandês Christian Huygens (pronuncía-se “róiguens”) defendia ardorosamente um modelo ondulatório da luz. Segundo ele, a luz seria formada por ondas, cada cor correspondendo a um comprimento de onda próprio, com velocidade diferente dentro do prisma.
A dispersão da luz por um prisma não permite decidir qual dos dois modelos, corpuscular ou ondulatório, é o mais adequado para descrever a natureza da luz. Ambos produzem explicações satisfatórias. Na época, prevaleceu o enorme prestígio de Newton, lastreado em seu assombroso sucesso com a Mecânica e a Gravitação. Praticamente toda a comunidade científica e intelectual desse tempo preferiu seguir o grande mestre inglês, adotando o modelo corpuscular. No caso do arco-íris, um modelo geométrico descrito pelo filósofo francês René Descartes já tinha grande aceitação. Como veremos a seguir, esse modelo era baseado no comportamento de raios de luz e se ajustava melhor à descrição da luz como formada de partículas.
René Descartes e a descrição do arco-íris.
A primeira pessoa a estudar sistematicamente o arco-íris parece que foi o grande filósofo francês René Descartes, o mesmo que criou o sistema de coordenadas cartesianas. Em 1637, cinco anos antes do nascimento de Newton, ele publicou um relato de seus experimentos sobre o arco-íris em seu famoso livro “Discurso sobre o Método”. Esse relato é interessante por mostrar como o chamado “método científico” já era muito bem utilizado nesse tempo. Descartes sabia isolar o problema, reproduzí-lo de forma simplificada e separar o que é essencial para a descrição do fenômeno. Esse processo está bem claro em sua descrição do arco-íris.
Logo de início, Descartes observou que um arco-íris pode ser produzido até por jatos de água em um jardim. Logo, argumentou, o arco-íris se deve à forma como a luz do Sol é desviada por gotas de água.
E, como é claro que gotas de vários tamanhos produzem o mesmo efeito, ele teve a idéia de reproduzir o processo usando um globo de vidro cheio de água, iluminado pelos raios de luz do Sol. Desse modo, ele conseguiu facilmente determinar o ângulo do arco-íris em relação ao olho do observador.
O arco primário se forma com duas refrações da luz ao entrar e ao sair da gota e com uma reflexão na parede interna. As gotas que desviam a luz na direção do olho de um observador estão sobre um cone de 42o, com vértice no olho do observador. O arco-íris secundário se deve a duas reflexões e duas refrações da luz na gota de água e os raios que chegam ao observador fazem um ângulo de, aproximadamente, 51o. Como parte da luz que entra na gota se perde nas reflexões e refrações, o arco secundário é bem menos intenso que o primário.
A separação das cores na refração da luz ao entrar e sair da gota já foi descrita em outro local. Pode-se observar que praticamente todos os raios de luz que chegam ao olho do observador depois de desviados pelas gotas de água da nuvem formam ângulos menores que 42o. Isso explica porque o céu é mais claro e esbranquiçado abaixo do arco-íris e mais escuro acima dele. Na verdade, podemos dizer que o “arco-íris” não é um arco, é um disco meio luminoso com a borda colorida.
Como vemos, várias das características do arco-íris podem ser explicadas por um modelo baseado apenas em raios de luz, portanto, coerente com o modelo corpuscular de Newton. No entanto, um pequeno detalhe não conseguia explicação com esse modelo: os arcos supernumerários. Como veremos a seguir, esse detalhe fez desmoronar o modelo de Newton e deu razão a Huyghens e seu modelo ondulatório da luz.
Thomas Young e os arcos supernumerários.
Os chamados arcos supernumerários podem aparecer logo abaixo do arco principal. Na foto ao lado, com boa vontade dá para ver pelo menos dois deles. Por mais que os cientistas dos séculos 17 e 18 tentassem explicar esses arcos “espúrios” usando modelos com raios de luz, ninguém conseguia uma justificativa satisfatória. Tinha quem achasse que se tratava de uma ilusão de ótica. Outros diziam que eram devidos a impurezas na água das gotas. Até que, em 1803, o inglês Thomas Young resolveu o enigma.
Young mostrou que os arcos supernumerários podiam ser explicados se a luz fosse considerada como uma onda e não como formada de partículas. Thomas Young era um ardente defensor da teoria ondulatória da luz, proposta anteriormente por Huyghens. Foi ele quem primeiro realizou a famosa experiência da luz passando por duas fendas, onde surgem faixas claras e escuras típicas da interferência de ondas. Na ocasião, Newton já tinha morrido, mas, seus seguidores não abriam mão do modelo corpuscular proposto pelo sábio inglês.
Ondas, diferentemente de partículas, podem interferir umas com as outras e formarem regiões claras e escuras. Young mostrou que essa interferência pode explicar os arcos supernumerários. Nas palavras de Moisés Nussenzveig: “Dois raios com ângulos próximos ao ângulo do arco-íris seguem trajetórias quase idênticas e interferem construtivamente. Para ângulos maiores, os raios seguem caminhos bem diferentes. Quando a diferença é de meio comprimento de onda, a interferência é destrutiva. Para ângulos ainda maiores, os raios se reinforçam novamente. O resultado é uma variação periódica na intensidade da luz espalhada resultando em uma série de faixas claras e escuras”.
Essa fotografia mostra um arco-íris emoldurando a casa onde Isaac Newton nasceu, no dia de natal de 1642, na Inglaterra. Ela foi tirada pelo Prof. Roy Bishop que teve sorte ou paciência para esperar essa interessante coincidência. É possível que ele quisesse homenagear Newton por ter explicado corretamente a mais espetacular característica do arco-íris, suas cores. Entretanto, bem visível na foto, está um intrometido arco supernumerário, atestando que mesmo os maiores gênios podem cometer erros.