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Duas Histórias de Lorde Kelvin

Duas histórias curiosas sobre William Thomson, mais conhecido como Lorde Kelvin, um dos maiores cientistas da era vitoriana.

William Thomson (1824-1907), foi uma das mais ilustres figuras da ciência na era vitoriana. Criança precoce, com 15 anos já estudava física na universidade de Glasgow, Irlanda. Com 19 anos, leu o livro de Joseph Fourier, Teoria Analítica do Calor, e, segundo gostava de contar, em uma quinzena aprendeu tudo que continha. Aliás, seu primeiro trabalho, publicado aos 20 anos, tinha como título Expansões de Fourier de funções em séries trigonométricas. Aos 21 anos, Thomson foi para Cambridge e, a partir de então, tornou-se um especialista em praticamente todos os campos da física. Aos 24 anos, baseando-se nos estudos de Sadi Carnot, propôs uma escala absoluta de temperatura, que hoje leva seu nome.

Na Eletricidade, Thomson deu importantes contribuições mas, sua crença na existência de um éter como suporte para os campos eletromagnéticos foi varrido para a lata de lixo pela teoria da relatividade de Einstein.

Nada na vida de William Thomson, depois elevado a Lorde Kelvin, foi corriqueiro. O homem era um poço de superlativos. Quando acertava era grandioso; quando errava, errava estrondosamente. Se, por um lado, foi um dos criadores da Termodinâmica, por outro, recusou-se a aceitar a existência dos átomos, opôs-se à teoria da evolução de Darwin e considerava bobagem as experiências com a radioatividade.

A seguir, vamos contar duas passagens da vida de William Thomson, Lorde Kelvin. A primeira relata seu triunfo ao resolver os problemas com o primeiro cabo submarino entre a Inglaterra e a América. E a segunda trata de seu retumbante fracasso ao calcular a idade do Sol e da Terra. São histórias de um homem que não conseguia ser trivial.

O mistério do cabo submarino.

Na segunda metade do século 19, o telégrafo era um sucesso quase tão grande quanto a Internet é hoje. Todos os países civilizados foram cruzados de fios carregando os sinais do código Morse. Restava ligar os países separados por oceanos e, para isso, foram lançados longos cabos submarinos atravessando o Atlântico, o Mediterrâneo e o Índico. Arthur C. Clarke descreveu o lançamento desses cabos como o equivalente vitoriano do Projeto Apolo.

Só que surgiu um inesperado problema. Enquanto os fios sobre a terra transportavam os sinais sem maiores dificuldades, os cabos submarinos, feitos de cobre e recobertos de borracha, eram um fracasso. O sinal enviado de uma ponta chegava do outro lado fraquíssimo, enterrado em um vigoroso ruído. E ninguém sabia explicar porque isso acontecia.

Surge então William Thomson, professor de Física da Universidade de Glasgow, especialista em expansões de Fourier e fenômenos de transporte elétricos. Exatamente o necessário para matar a charada do cabo que não funcionava como esperado.

Thomson percebeu que o problema estava na água do mar. Um fio de telégrafo aéreo está cercado pelo ar, que é isolante. Já o cabo submarino fica rodeado de água salgada, condutora de eletricidade. A eletricidade necessária para carregar os pulsos do telégrafo polarizam as moléculas da água, cedendo energia para elas no processo. Os engenheiros achavam que a perda de intensidade no cabo seria diretamente proporcional à distância. Thomson, com seus conhecimentos mais avançados, concluiu que as perdas seriam muito mais drásticas, além de inevitáveis.

Que fazer para resolver esse problema? Surgiram duas propostas. Uma delas, feita pelo Dr. Wildman Whitehouse, eletricista chefe da Companhia de Telégrafo Atlântico, consistia em apelar para a força bruta. Se o sinal chegava fraco, achava ele, bastaria aumentar amplamente a voltagem na entrada. Para isso, ele construiu um tremendo gerador de 2000 Volts que, supostamente, empurraria os sinais pela goela do cabo, da Inglaterra até a América.

William Thomson não achava isso uma boa idéia. Ele calculou que, mais forte a voltagem, maiores seriam as perdas, pois mais cargas seriam polarizadas. Sugeriu, como alternativa mais segura e eficiente, manter o sinal fraco e utilizar instrumentos mais sensíveis para recebê-los. Para isso, projetou e construiu vários instrumentos delicados e sensíveis, como o galvanômetro de espelho e o registrador sifonado.

Só que Thomson ainda não tinha muito prestígio e a opinião de Whitehouse prevaleceu. O tal gerador de 2000 Volts foi acionado e o resultado foi uma catástrofe: o isolamento do cabo não aguentou o excesso de carga e rompeu em algum lugar no meio do Atlântico, transformando, instantaneamente, o dispendioso cabo em sucata. Com esse desastre, Whitehouse foi devidamente exonerado. Um novo cabo foi feito e lançado segundo as especificações de Thomson, com o sistema todo usando o galvanômetro de espelho e um monte de outros melhoramentos inventados e patenteados pelo jovem físico. Foi um tremendo sucesso, tudo funcionou perfeitamente e Thomson ficou milionário com os ganhos de suas patentes. De quebra, a rainha Vitória deu-lhe o título de Barão e Lorde. A partir de então, ele passou a ser Lorde Kelvin, cidadão famoso e respeitado pela elite da ciência e da nobreza.

Moral: vale a pena estudar direitinho a expansão em séries e integrais de Fourier.

A idade da terra, segundo Lorde Kelvin.

Qual é a idade da Terra? Em 1654, o Arcebispo Usher, da Irlanda, fez uma árvore genealógica dos personagens da Bíblia e concluiu que a Terra foi criada às 9 horas da manhã de 26 de Outubro do ano 4004 A.C. Teria hoje, portanto, cerca de 6000 anos.

Já os geólogos dos séculos 18 e 19, entre eles, James Hutton e Charles Lyell, sabiam que as mudanças geológicas são muito lentas, e achavam que a Terra deveria ter pelo menos 200 milhões de anos. Em 1863, William Thomson (que ainda não era Lorde Kelvin) calculou a idade da Terra usando argumentos termodinâmicos, matéria na qual era um dos maiores especialistas. Achou a seguinte fórmula para a idade da Terra:

Idade da Terra = (T0 – T )² / ( πK GG² ).

Nessa fórmula, T0 é a temperatura de formação da Terra, T é sua temperatura atual, K é um coeficiente de difusão térmica e GG é o gradiente geotérmico (25°/km).

Com essa fórmula, Thomson calculou, de forma irrefutável na época, que a Terra teria, no máximo, 100 milhões de anos. No início, os geológos aceitaram, a contragosto, o número de Kelvin. Entretanto, nos anos subsequentes, Kelvin foi refinando seus cálculos e achando valores cada vez menores. Em 1897, ele já dizia que a Terra não devia ter mais de 20 milhões de anos. Nesse ponto, os geológos resolveram se rebelar.

Também os biológos discordavam dos valores anunciados por Kelvin. 20 milhões de anos, para eles, não era tempo suficiente para acomodar o processo de evolução desde os organismos unicelulares até o homo sapiens. Kelvin, porém, fincou pé. Há uma história, provavelmente sem fundamento, segundo a qual ele teria dito a um geológo descontente com seu cálculo: “Meu filho, ciência é física, o resto é coleção de selos”.

Nessa altura da discórdia Henri Becquerel e Marie Curie descobriram a radioatividade. Em 1907, Rutherford e Boltwood usaram o decaimento radioativo do urânio e determinaram a idade de algumas rochas como superior a 1,6 bilhões de anos! Os cálculos de Kelvin estavam errados porque ele desconhecia essa fonte de energia radioativa. Diz a lenda que Rutherford se viu na difícil missão de anunciar seus resultados em um seminário no qual o Lorde, já bem velhinho, estava presente. Como enfrentar a fera sem provocá-la? Rutherford começou sua palestra com enormes elogios ao velho sábio, e foi se alongando até que percebeu que Kelvin cochilava. A partir desse ponto, passou a mostrar seus números, mas, já então, Kelvin dormia satisfeito.

Resumo da história: mesmo os maiores sábios erram. Em ciência, não existe autoridade moral.

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