Lasers
O que é um laser, como foi inventado e como é utilizado.
Em Julho de 1960, Theodore Maiman apresentou ao mundo o primeiro laser. Nesta seção especial contamos um pouco da história do laser, explicamos como ele funciona e descrevemos algumas de suas aplicações mais corriqueiras.
O nível de nossa apresentação é bem elementar, dirigida para quem é inteiramente leigo em Física mas não tem preguiça de usar a cabeça para pensar.
Fótons: ondas e/ou partículas de luz.
Como em quase tudo de importante que ocorreu na Física do Século 20, o personagem principal nesse nosso relato sobre fótons é aquele camarada na bicicleta, ali em cima, Albert Einstein. Foi ele quem primeiro sugeriu que um feixe de luz não é apenas uma onda eletromagnética com suas características usuais de freqüência, amplitude e fase. Para explicar certos fenômenos que atormentavam os físicos da época – como o Efeito Fotoelétrico, por exemplo – Einstein propôs que a luz é feita de entidades discretas (isto é, separadas e distintas entre si), com uma energia proporcional à freqüência da onda luminosa: são os fótons.
Segundo Einstein, um feixe de luz monocromático de freqüência f é formado por um enxame de fótons, cada um deles com uma energia E = h f, onde h é uma constante – a constante de Planck. Como sabemos da ótica, a luz é uma onda. E os fótons? Os fótons são bichinhos ambivalentes. Apresentam características típicas de ondas (freqüência, amplitude, fase, polarização) como também de partículas (momento, localização espacial). Os físicos chamam isso de “dualidade onda-partícula” e garantem, baseados na experiência, que essa dupla personalidade faz parte da natureza da luz.
Vamos simbolizar um fóton por uma pequena onda com uma seta indicando sua direção de propagação. Isso só serve, é claro, para ajudar nossa percepção, sem nenhum compromisso sério com a realidade. O importante, para nosso intento de descrever o laser, é compreender algumas características ondulatórias dos fótons.
Os dois fótons mostrados em (A), por exemplo, têm a mesma freqüência e a mesma fase. Já os fótons em (B) têm a mesma freqüência mas fases diferentes: a crista de onda de um deles está adiantada em relação à crista do outro.
Em ambos os casos, os fótons têm a mesma polarização, isto é, vibram no mesmo plano – no caso simbólico, o plano da tela de seu computador.
Dois fótons que têm a mesma freqüência, mesma fase e mesma polarização são ditos coerentes.
Os fótons representados em (A) são coerentes. Os fótons em (B) não são. Como veremos mais adiante, a principal característica da luz de um laser é:
Os fótons que constituem o feixe de luz do laser são coerentes.
Processos de aborção e emissão de fótons.
Para facilitar a visualização dos fenômenos de absorção e emissão de fótons por um átomo, usaremos uma representação gráfica. Você deve entender que isso é apenas um truque para simplificar nossa vida. Como todo modelo físico, é apenas uma “representação” do evento real.
Vamos, então, representar um átomo por uma bolinha no centro de uma caixa. Esse átomo imaginário pode ter dois estados, um com menor energia, chamado de estado fundamental, e outro, de maior energia, chamado de estado excitado. Um átomo real pode ter muito mais que apenas dois estados de energia mas, nessa simplificação, bastam dois.
O átomo no estado fundamental será representado por uma bolinha de cor azul e, no estado excitado, de cor vermelha. Tudo fictício, é óbvio, pois átomos não têm cores.
Einstein, na década de 20, identificou três processos através dos quais um átomo pode passar de um estado para o outro. Se o átomo estiver no estado fundamental é necessário fornecer a ele a energia certa para que ele passe ao estado excitado. Essa energia deve ser exatamente a diferença entre as energias dos dois estados.
Uma forma de fornecer essa energia é fazer incidir um feixe de luz sobre o átomo. Se a energia de um fóton constituinte da luz for exatamente igual à diferença de energia entre os dois estados do átomo, ele pode absorver esse fóton e passar do estado fundamental para o estado excitado.
Vamos reformular nossa descrição:
Um fóton de uma certa energia E incide sobre um átomo que está no estado fundamental. Se a energia E do fóton for exatamente igual à diferença entre a energia do estado excitado, E2, e a energia do estado fundamental, E1, isto é, E = E2 – E1, o átomo pode absorver o fóton e passar do estado de menor para o estado de maior energia.
Se a energia E do fóton for maior ou menor que a diferença E2 – E1, o fóton não pode ser absorvido e passa batido.1, é simbolizado pelo tracinho de baixo. A distância entre os tracinhos simboliza a diferença de energia E2 – E1. Se o átomo estiver no estado fundamental será simbolizado por uma bolinha no tracinho de baixo. É claro que você sabe como simbolizar o átomo no estado excitado.
O fóton é simbolizado por um traço ondulado com uma seta na ponta. Veja como é representado o processo de absorção de um fóton de energia E = E2 – E1.
Um átomo excitado, normalmente, não fica muito tempo nesse estado. A não ser que algum fator externo o impeça, depois de um tempo muito curto ele volta ao estado fundamental. Alguns estados excitados, porém, podem ter vida mais longa e são chamados de metaestáveis.
Eles são essenciais para o funcionamento do laser.
Só existe um processo de absorção de fótons mas existem dois processos de emissão. No processo chamado de emissão espontânea o átomo passa do estado excitado para o estado fundamental sem nenhuma ajuda externa, emitindo um fóton de energia E2 – E1. Mas, existe outro processo de desexcitação, chamado de emissão estimulada, no qual a desexcitação é induzida por um fóton que tem exatamente a energia E = E2 – E1.
O fóton estimulador passa incólume, sem perder nem ganhar nenhuma energia, mas provoca a emissão (estimulada) de outro fóton com a mesma energia.
Os dois fótons, estimulador e estimulado, são coerentes, isto é, têm a mesma freqüência, mesma fase e mesma polarização.
Agora você já sabe o suficiente para entender como funciona um laser.
A ação laser.
A idéia básica do funcionamento do laser é utilizar a emissão estimulada para desencadear uma avalanche de fótons coerentes, isto é, todos com a mesma freqüência, fase, polarização e, principalmente, mesma direção de propagação. Como conseguir isso?
Vamos descrever um laser hipotético que tem apenas um átomo com dois níveis. É claro que essa é uma bruta simplificação pois um laser real tem 1023 átomos ou mais. Mas, para nosso entendimento, basta um só átomo.
Esse átomo é colocado em um meio transparente entre dois espelhos. O espelho da esquerda reflete toda a luz que recebe e o espelho da direita reflete 99% da luz que incide sobre ele (espelho semi-prateado). Inicialmente, o átomo está em seu estado fundamental, mas um fóton vindo de fora com a energia certa irá excitá-lo (A).
O átomo demora-se nesse estado excitado que é meta-estável (B). Essa característica é essencial para que o laser funcione.
Eventualmente, ele decai emitindo um fóton. Esse fóton, emitido espontaneamente, pode ter qualquer direção e, na maioria das vezes, se perde pelas paredes laterais. Mas, em algum momento, um desses fótons sai na direçào de um dos espelhos. Digamos que, enquanto o fóton se reflete no espelho da direita, outro fóton externo excita o átomo (C).
O fóton refletido vai encontrar o átomo no estado excitado e estimula uma nova desexcitação (D). Só que dessa vez a emissão é estimulada e o fóton resultante sai em fase e na mesma direção que o fóton estimulante – isto é, são coerentes. Enquanto isso, outro fóton externo excita novamente o átomo (E).
Agora, os dois fótons refletidos pelo espelho da esquerda vão estimular uma nova emissão (F). Teremos, então, três fótons coerentes dirigindo-se, em fase, para o espelho da direita (G).
Com a repetição continuada desses processos o número de fótons coerentes refletindo-se entre os dois espelhos cresce tanto que uma parte deles escapa pelo espelho semi-prateado (1% deles, mais ou menos). Essa luz que escapa é o feixe de nosso laser de um átomo. A luz desse feixe é coerente, o que faz com que o feixe seja estreito, concentrado, monocromático e bastante intenso.
NOTA: Na verdade, um laser só de dois níveis não funcionaria. Mas, para nossos propósitos puramente ilustrativos, essa simplificação serve.
Um pouco da história do laser.
Antes do laser veio o maser. O maser foi inventado por Charles Townes (nascido em 28 de Julho de 1915) na década de 50 e construído em 1954 por ele e colegas da Universidade de Colúmbia (EUA). O princípio da funcionamento do maser é semelhante ao descrito na seção anterior, com uma diferença. Em vez de átomos excitados Townes usou moléculas de amônia como meio ativo. Ao ser excitada por um agente externo a molécula de amônia entra em vibração com uma freqüência de micro-ondas. Daí, o processo de emissão estimulada gera um feixe coerente de micro-ondas.
Logo que o maser foi demonstrado começou imediatamente a busca por um maser ótico, isto é, um dispositivo que emitisse um feixe coerente com freqüência na região da luz visível. Townes e Arthur Schawlow propuseram um arranjo com uma cavidade contendo o meio ativo e dois espelhos, como descrito na seção anterior. Por esse trabalho Townes ganhou o Prêmio Nobel de 1964, juntamente com Aleksandr Prokhorov (também nascido em Julho) e N. Basov.
Mas, foi Theodore Maiman (nascido em 11 de Julho de 1927) quem construiu o primeiro maser ótico. Maiman sugeriu o nome “Loser” (“Light Oscillation by Stimulated Emission of Radiation”) mas “loser” significa “perdedor” e o nome foi trocado por “laser” (“Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”), que pegou e ficou.
Em Julho de 1960 Maiman anunciou o funcionamento do primeiro laser cujo meio ativo era um cristal de rubi. O rubi é um cristal de óxido de alumínio contendo um pouco de cromo. Os átomos de cromo formam o meio ativo: são eles que geram a luz laser por emissão estimulada de fótons. Eles são excitados por uma luz externa muito intensa (flash). O átomo de cromo é um sistema de três níveis: a luz externa excita o átomo de cromo do estado fundamental para um estado excitado de vida curta. Desse estado excitado o átomo decai para outro estado excitado de menor energia. A diferença de energia é dissipada na forma de vibrações no cristal de rubi. Esse segundo estado excitado é meta-estável, portanto, conveniente para ser usado na ação laser. De resto, o funcionamento é idêntico ao que descrevemos antes.
No laser de rubi de Maiman o feixe de luz sai na forma de pulsos de luz muito rápidos. Pouco tempo depois outros lasers foram construídos, usando outros meios ativos, produzindo um feixe contínuo de luz. Hoje, os lasers já são parte da vida cotidiana. Eles estão nos aparelhos de CD musicais e de computador, nas impressoras, na comunicação por fibra ótica, nos consultórios dos oftalmologistas e até nas mãos dos conferencistas, servindo de apontadores.
Aplicações dos lasers no dia-a-dia.
Até há pouco tempo os lasers eram considerados objetos exóticos, usados apenas em laboratórios de pesquisa, projetos militares, grandes indústrias e filmes tipo Guerra nas Estrelas. Hoje, toda família de classe média tem pelo menos um laser em casa: aquele que está no aparelho de tocar CDs (“compact disk”). Vamos comentar algumas aplicações dos lasers na nossa vida cotidiana.
Reprodutores de CD:
Os aparelhos de tocar CD e os leitores de CD-ROM usam lasers de diodo semicondutor para ler um sinal digital gravado previamente sobre um disco de metal com plástico. A luz do laser é focalizada sobre uma trilha circular contendo furinhos enfileirados (os “pits”). Quando incide sobre o espaço entre dois furinhos, o feixe de luz é refletido pela superfície polida e incide sobre um detetor de fotodiodo. Quando incide sobre um furinho, a luz se espalha e não atinge o detetor. Desse modo, enquanto o disco gira, o detetor capta uma sucessão de sinais (luz e não-luz, ou 1 e 0) que são os “bits” de informação. Esse sinal digital é transformado, no caso do CD de música, em um sinal sonoro (analógico), amplificado e reproduzido nos alto-falantes.
O laser usado nesses aparelhos é feito do semicondutor AlGaAs (Arsenieto de Gálio e Alumínio) e gera uma luz na faixa do infravermelho (logo, invisível), com comprimento de onda de 785 milimícrons, isto é, 785 milésimos de mícron, ou 785 x 10-9 do metro. Com esse tipo de luz a distância entre os “pits” pode ser da ordem de 1 mícron. Isso possibilita armazenar cerca de 75 minutos de música em um CD, ou 640 megabytes de dados em um CDROM. O preço médio de um laser de diodo semicondutor está em torno de 30 reais e seu tamanho é de uns 5 milímetros.
Para aumentar a capacidade dos CDs a indústria desenvolveu novos lasers de diodo que emitem luz na faixa do vermelho (visível) com comprimento de onda de 650 milimícrons. Usando esses lasers e inovações da microeletrônica, surgiram os DVDs (“digital versatile disk”). Com a luz de menor comprimento de onda as trilhas de “pits” podem ser mais densas e os DVDs podem conter muito mais dados que um CD. Um DVD pode conter umas 8 horas de música ou 5 gigabytes de dados.
Mas, a turma ainda acha pouco. Começam a surgir dos laboratórios de pesquisa das indústrias os primeiros lasers de diodo semicondutor que emitem luz azul, com comprimento de onda de 450 milimícrons. Com um laser desses o DVD poderá conter da ordem de 100 horas de música, ou 60 gigabytes de dados!
Códigos de barra:
Os leitores de código de barra que vemos em todo supermercado, loja, banco e até banca de revista, usam lasers de Hélio-Neônio (HeNe) que emitem luz vermelha de 638 milimícrons, de baixa potência.
Comunicação:
O transporte de dados por fibra ótica está cada dia mais disseminado. Nessa aplicação, os sinais são produzidos por lasers de diodo com modulação de alta velocidade e transmitidos através de fibras óticas feitas de quartzo altamente puro, com espessura de um fio de cabelo. Por uma feliz coincidência, o quartzo leitoso usado nas fibras é extremamente transparente na faixa do infravermelho correspondente à luz dos lasers de diodo.
As informações dessa página que você está lendo saíram de nosso computador e chegaram ao seu passando (muito provavelmente) por fibras óticas em algum trecho do caminho.
Medicina:
Os médicos usam lasers mais potentes para vários fins. Os oftalmologistas, por exemplo, usam lasers para tratar de descolamento de retina, corrigir miopia e outros usos cirúrgicos.
Os lasers dos filmes de Guerra nas Estrelas.
Os filmes tipo Guerra nas Estrelas estão completamente errados quando mostram armas de laser atirando de uma nave para outra: sai um feixe visível de luz de uma nave, atinge a nave inimiga que explode com um tremendo som. No espaço, um feixe de laser, por mais potente que fosse, seria completamente invisível. A gente só pode ver alguma luz se ela for espalhada de alguma forma até nossos olhos. No espaço, onde só há o vácuo, não há nada para espalhar a luz de um feixe de laser, de modo que ele não seria percebido por alguém que não estivesse exatamente em sua trajetória. Mesmo em uma sala comum, um feixe de laser não é visto a não ser que haja muita poeira ou fumaça. Em uma conferência, por exemplo, não vemos o feixe que sai do apontador para a tela. Só vemos o pontinho luminoso na tela.
A explosão de uma nave no espaço sideral seria totalmente silenciosa, pois não há atmosfera para conduzir o som. Além disso, não há nenhuma razão para a nave explodir quando atingida pelo feixe de laser. Bastaria fazer a nave de um metal bem polido que refletisse toda a luz incidente para anular completamente algum poder destrutivo do laser.
Vemos também os soldados do império serem jogados para trás com violência, quando atingidos por um tiro de laser. Na verdade, o momento (quantidade de movimento) de uma luz, mesmo de altíssima potência, é muito pequeno e não derrubaria nem um passarinho. Se o feixe for realmente intenso, isto é, tiver muita energia, e se o alvo for absorvedor de luz, a luz perfura e, possivelmente, queima o corpo atingido mas não teria impacto para jogá-lo ao chão.
Bem, aqui acabamos esse rápido bate-papo sobre lasers. Para mais informações, procure um bom livro sobre óptica e suas aplicações e leia sobre luz coerente, emissão estimulada etc. Vale a pena.
AUTORES:
Prof. Ilde Guedes.
Prof. José E. Moreira.