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Ondas Gravitacionais

Uma descoberta recente que deve revolucionar a ciência.

Buracos negros que se chocam nos confins do Universo

Em um dado momento, em um ponto distante do Universo, cerca de 1,3 bilhão de anos atrás, dois buracos negros começaram a se aproximar perigosamente um do outro. Como um par de dançarinos, à medida que se chegaram perto iniciaram uma circulação mútua, um girando em torno do outro em espirais cada vez mais próximas. Formaram, assim, o que os astrofísicos chamam de um “sistema binário”.

Sistemas binários são comuns no Universo. Até o conjunto Terra-Lua pode ser considerado um sistema binário. Mas, o que distingue um sistema binário de dois buracos negros é o valor extremo da atração gravitacional entre eles. Chega um ponto onde estão tão próximos que o movimento deles se dá com velocidades próximas à velocidade da luz. Foi nesse ponto que eles começaram a ejetar ondas gravitacionais de grande intensidade.

Ondas gravitacionais (OG) são vibrações do próprio tecido do espaço-tempo causadas por deslocamentos de grandes massas. Essas ondas foram previstas por Albert Einstein, como veremos mais adiante.

Quando os buracos negros ainda estavam um tanto afastados entre si, a OG que eles emitiam tinha amplitude e frequência mais ou menos constantes. Mas, a perda de energia devida à emissão da onda gravitacional fez com que eles se aproximassem ainda mais e aumentassem suas velocidades; e isso provocou a produção de ondas gravitacionais cada vez mais intensas e rápidas.

Até que, finalmente, os buracos negros se tocaram e formaram uma coisa parecida com um halteres girando furiosamente. Nesse estágio, as ondas gravitacionais emitidas ficaram extremamente intensas, suas frequências dispararam e a forma da onda ficou bem irregular.

Por fim, os dois buracos negros acabaram se fundindo em um só. Inicialmente, esse buraco negro resultante vibrou um bocado, mas, logo ele se aquietou e passou a ser um buraco negro normal, emitindo poucas ondas gravitacionais, proporcionalmente. Depois de quieto, o buraco negro formado perdeu toda a memória desse drama cósmico, pois como é praxe em buracos negros, ele é caracterizado apenas por sua massa, seu diâmetro e sua rotação.

Agora, o interessante é que todo esse episódio teve duração de apenas 0,45 segundos!

A OG emitida carregando essa história em seu formato ondulatório saiu pelo Universo passando praticamente incólume por estrelas, planetas, galáxias e, eventualmente, 1,3 bilhão de anos depois de ser gerada, passou por um pequeno planeta chamado Terra. Por sorte, quando isso aconteceu, os habitantes desse planeta já tinham construído um instrumento capaz de receber, gravar e interpretar a forma dessa onda, decifrando seu recado.

É essa história que vamos contar nos capítulos seguintes.

As ondas gravitacionais previstas pela Relatividade Geral de Einstein.

Em 1916, um ano após publicar sua Teoria da Relatividade Geral, Albert Einstein mostrou que suas equações tinham soluções que indicavam a produção de ONDAS GRAVITACIONAIS como consequência da aceleração de massas. Uma onda gravitacional (OG) seria, segundo Einstein, uma sequência de oscilações no tecido do espaço-tempo propagando-se com a velocidade da luz.

Uma característica importante das OGs é o fato delas serem ondas TRANSVERSAIS. Mais adiante, veremos como essa característica é usada nos instrumentos para detectar uma OG.

Einstein tinha perfeita consciência da dificuldade de detectar diretamente as OGs que passam pela Terra, oriundas de fontes cósmicas. Por isso, nem chegou a incluí-las na lista de possíveis testes para sua Teoria da Relatividade. Desse modo, passaram-se anos e a existência das OGs era admitida apenas como um resultado teórico, sem confirmação experimental.

Até que, na década de 1960, os astrofísicos descobriram e começaram a estudar um tipo novo de objeto cósmico, o pulsar. Um pulsar é uma estrela de nêutrons bem compacta que gira com velocidades enormes emitindo pulsos de ondas eletromagnéticas. Joseph Taylor e Russell Hulse estudaram um sistema binário de estrelas de nêutrons, sendo uma delas um pulsar. As duas giravam, uma em redor da outra, em cerca de 8 horas por volta. Mas, esse período de rotação diminuía continuamente, indicando que as estrelas estavam espiralando uma na direção da outra, enquanto giravam. Para isso acontecer, a única explicação era que o sistema estava perdendo energia de algum modo. Hulse e Taylor investigaram a possibilidade dessa perda de energia ser devida à formação e emissão de ondas gravitacionais pelo par de estrelas. Usaram as equações de Einstein e as contas fecharam bem direitinho. Essa foi a primeira evidência para a existência real da OGs. Só que era uma evidência indireta.

Mesmo assim, esses resultados incentivaram vários físicos a tentarem detectar diretamente as OGs, já que estava provado que elas realmente existiam. Mas, logo ficou claro que essa busca não seria fácil. Todas as tentativas feitas durante o século 20 se mostraram infrutíferas e nenhuma OG foi detectada por essas tentativas pioneiras.

Como é possível detectar uma OG? A forma mais óbvia é medir o efeito dela sobre algum objeto na Terra. Em princípio, pode-se usar o fato da OG ser uma onda transversal e produzir esticamentos e encolhimentos no espaçotempo, enquanto passa por algum local.

Na figura abaixo, vemos a representação gráfica de uma OG deslocando-se no tempo e no espaço. A letra h indica a Amplitude da onda, que, como veremos logo mais, é extremamente pequena. Nas figuras inferiores, vemos um objeto na forma de L que está no caminho da OG. A figura A mostra o L com suas duas pernas de mesmo tamanho, antes da passagem da OG. Observe que o L está no plano da tela e a OG passa por ele na direção perpendicular à tela.

No instante B, a OG faz o lado horizontal do L esticar e o lado vertical encolher. Meio período depois, (posição C) ocorre o contrário. E assim por diante, enquanto a OG passa as pernas do L vão alternando em suas deformações devidas às modificações do espaço-tempo onde estão.

Portanto, para detectar uma OG, basta medir a diferença entre as pernas de um L feito de algum material, enquanto essa OG passa por ele.

Fácil de dizer, mas, duro de fazer.

O problema é que os valores desse h que mede a amplitude da deformação são absurdamente pequenos. Só para dar uma idéia, suponha que cada perna do L meça (exatamente!) 1 metro. Esse valor (L) está escrito abaixo com 21 casas decimais. E, abaixo dele, está o valor que fica quando a OG passa com sua amplitude máxima (L’). Mais abaixo ainda, vemos a diferença entre esses valores, que é o que deve ser medido. Dá para encarar?

L = 1,000000000000000000000 m.

L’ = 1,000000000000000000001 m.

L’ – L = 0,000000000000000000001 m.

Esse tipo de distância é cerca de 1 milhão de vezes menor que o diâmetro do núcleo atômico!

Mesmo assim, os caras conseguiram um jeito de fazer esse tipo de medida, como veremos a seguir.

O experimento LIGO.

Como vimos, uma forma de detectar ondas gravitacionais é medir a deformação que elas causam em um L feito de qualquer material – ou até de vácuo, pois quem encolhe e estica é o próprio espaço. Foram feitas várias tentativas de medir essas deformações em grandes cilindros rígidos, mas, os resultados foram nulos.

No final do século passado, surgiram as primeiras iniciativas de medir essas variações no espaço-tempo usando a interferência luminosa. Vamos ver o que é isso.

No colégio, a gente aprende que duas ondas luminosas (A e B) de igual amplitude e frequência ocupando a mesma região do espaço podem “interferir” uma com a outra. Se elas estão perfeitamente em fase, isto é, se o máximo de uma coincide exatamente com o máximo da outra, elas interferem “construtivamente” e o resultado é uma onda de mesma frequência, mas, com amplitude dobrada (C).

Outras situações são possíveis, é claro. Se as duas ondas estão completamente fora de fase, isto é, se o máximo de uma corresponde ao mínimo da outra, dá-se uma interferência “destrutiva” e o resultado é que nessa região não haverá luz (1). E se a posição relativa das ondas for algo entre essas duas situações extremas, teremos interferência parcial (2).

O projeto LIGO (“Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory”) foi idealizado para usar a interferência luminosa no processo de medir as variações de comprimento devidas à passagem de uma OG. A figura abaixo mostra um esquema desse aparelho. Como você pode ver, ele usa a idéia de medir as variações nos comprimentos das pernas de um L. No caso desse interferômetro, cada perna do L mede 4 quilômetros.

Essa figura está tremendamente simplificada, mas ilustra os aspectos essenciais do experimento. Não falaremos, também, de detalhes técnicos do equipamento que possibilitaram seu sucesso.

A luz de um “laser” entra no aparelho e é dividida em dois feixes de mesma intensidade por uma placa de vidro a 45°. Um dos feixes segue na direção Norte-Sul, por exemplo, e o outro, na direção Leste-Oeste. As fases de cada feixe são ajustadas de modo que eles começam seus caminhos completamente fora de fase, como no caso 1 da figura acima. Cada feixe segue até um espelho e volta, percorrendo 8 km. Como os dois caminhos têm exatamente o mesmo comprimento, os feixes chegarão de volta ao divisor tão completamente defasados como começaram. Portanto, na saída para o detetor eles sofrerão interferência destrutiva total. O detetor acusa luz zero.

Agora, digamos que uma OG passe pelo interferômetro. Como sabemos, a OG – em um instante – vai aumentar uma das pernas do L e diminuir a outra. Com isso, uma das ondas se atrasa (ou se adianta) em relação à outra. O resultado é que, nesse instante, a interferência na saída é apenas parcial (caso 2 da figura) e alguma luz chegará ao detetor. É fácil entender que a quantidade de luz que chega ao detetor depende da diferença de comprimentos das pernas do L, e essa diferença é um efeito das deformações ocasionadas pela OG que está passando.

Portanto, a cada instante, a intensidade de luz no detetor dá uma medida da deformação no comprimento das pernas do interferômetro devida ao efeito da passagem da onda gravitacional.

A seguir, vamos ver como foi o sinal medido no interferômetro LIGO no dia 14 de setembro de 2014.

O sinal de uma onda gravitacional.

As ondas gravitacionais emitidas pelo sistema binário de buracos negros passaram pelo interferômetro LIGO no dia 14 de setembro de 2015. Os cientistas do Projeto analisaram com cuidado para se certificarem da validade da observação e concluíram que, realmente, era um sinal de OG.

Na verdade, o projeto LIGO são dois espectrômetros iguais, não apenas um. Cada um está localizado em uma extremidade dos Estados Unidos. Um fica em Hanford, no estado de Washington (noroeste) e o outro em Livingston, na Louisiana (sudeste), separados por cerca de 3.000 quilômetros.

E a primeira evidência de que o sinal observado não era um ruído espúrio, foi que a mesma forma de onda apareceu nos dois espectrômetros, com uma curtíssima diferença de tempo devido à separação espacial.

A figura abaixo mostra como os sinais captados nos dois aparelhos foram realmente gerados pelo mesmo evento.

Estabelecida a validade dos sinais registrados, os cientistas passaram à interpretação desses sinais por comparação com as previsões da Relatividade Geral. Logo ficou evidente que esses eram sinais oriundos do colapso de dois buracos negros. Outras possibilidades não eram adequadas para explicar todos os detalhes contidos nas curvas. Vejamos, então, como foi interpretado o sinal obtido, lembrando o que já vimos anteriormente.

O primeiro trecho da curva (1) mostra a forma das ondas gravitacionais emitidas quando os buracos negros ainda espiralavam guardando alguma distância um do outro. As ondas são regulares, de amplitude e frequência quase constantes. O trecho (2) já corresponde a uma maior aproximação dos buracos negros, com consequente aumento da frequência e da amplitude. Quando se dá a colisão, o sinal fica mais complicado, com fortes variações nas amplitudes e nas frequências (trecho 3). Finalmente, o sinal decai e some por completo (trecho 4) assinalando a coalescência dos dois buracos negros em um só.

É importante salientar que toda essa análise é baseada na solução das equações da Relatividade Geral. Na verdade, os cientistas já tinham obtidos esse tipo de curva em modelos computacionais, bem antes do sinal ser captado. A análise serviu, não apenas para determinar o tipo de evento que gerou as ondas gravitacionais, mas também forneceu todos os valores relevantes sobre o sistema binário que provocou a emissão das ondas.

A tabela abaixo dá os valores retirados dessa análise para as massas dos dois buracos negros originais e do buraco negro resultante.

Observe que a massa do buraco negro final é menor que a soma das massas dos buracos negros iniciais. A diferença foi transformada em energia (Einstein, de novo, e sua equação E = mc²) e emitida quase totalmente como ondas gravitacionais.

O que pode vir a seguir.

Até agora, praticamente tudo que sabemos sobre estrelas, galáxias, buracos negros e outros objetos celestes deve-se a informações obtidas pela análise da LUZ que vem desses objetos e chega aos nossos aparelhos. Quando dizemos luz, estamos nos referindo a ondas eletromagnéticas de todo o espectro: raios gama, raios X, ultravioleta, luz visível, infravermelho, micro-ondas, ondas de rádio, etc. Fora isso, talvez apenas mais alguma coisa que chega na forma de partículas, os raios cósmicos, ou de neutrinos.

A partir de agora, com o sucesso da captação de ondas gravitacionais, esse quadro poderá mudar drasticamente.

Pense no seguinte: as ondas eletromagnéticas são emitidas por partículas carregadas aceleradas (principalmente, elétrons). Essas emissões são, quase sempre, oriundas das superfícies dos objetos celestes. Nessas regiões, sempre há uma grande quantidade de matéria que absorve ou espalha as ondas eletromagnéticas emitidas, perturbando a qualidade do sinal.

Esse problema não acontece com ondas gravitacionais. As regiões de onde saem as OGs com capacidade de serem observadas na Terra são cercadas por enormes quantidades de matéria que absorvem as ondas eletromagnéticas, mas não podem impedir a passagem das ondas gravitacionais.

Como diz Kip Thorne, um precursor da pesquisa de OGs e participante do projeto LIGO: “O Universo gravitacional é extremamente diferente do Universo eletromagnético”.

Isto é, com as observações das OGs poderemos aprender muita coisa que seria impossível com as observações eletromagnéticas.

Lembre-se que, até há poucos anos, nenhum planeta extra-solar tinha sido observado. Tinha até quem duvidasse da existência deles. Aí apareceu o primeiro e, logo, logo, surgiram vários outros. Hoje, quando milhares já são conhecidos, eles nem são mais notícia nos jornais. É provável que, a partir de agora, com o sucesso dessa primeira observação de uma OG, muitas outras venham a seguir.

E, podemos dizer que a comunidade de astrofísicos e cosmologistas já está preparada para retirar informações dessas novas observações. Já existem inúmeros modelos teóricos e computacionais de como devem ser os sinais de outros tipos de eventos cósmicos que emitem OGs. Por exemplo, a figura abaixo mostra a simulação de sinais de OGs emitidas por vários tipos de supernovas. Quando sinais desse tipo forem captados, o pessoal já sabe como retirar informações relevantes sobre os objetos emissores.

Se as coisas correrem bem, em breve estaremos entrando em uma nova era de conhecimento sobre o Universo onde habitamos.

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