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A Magnetorresistência Gigante

Essa tecnologia permitiu discos rígidos de alta capacidade.

É provável que o computador que você está usando para ler essa fantástica página da SEARA DA CIÊNCIA tenha um disco rígido (o popular HD, ou “hard disk”) com capacidade de uns 320 gigabytes (320 bilhões de bytes) ou até mais se você for descolado. Talvez você não saiba que essa enorme capacidade de armazenamento de dados em um pequeno disco de 3,5 polegadas foi tornada possível através do trabalho pioneiro de dois físicos que ganharam o Prêmio Nobel exatamente por isso. São eles, o francês Albert Fert e o alemão Peter Gruenberg. O que eles descobriram, em trabalhos independentes feitos em 1988, foi um fenômeno chamado de Magnetorresistência Gigante (MRG) que possibilitou a fabricação de cabeças leitoras de HD com altíssima sensibilidade. Menos de 10 anos depois dessa descoberta, os discos rígidos começaram a utilizar a MRG, com capacidade de armazenamento cada vez maior.
No relato a seguir, vamos descrever de modo muito simplificado o que é essa tal Magnetorresistência Gigante e como ela está sendo utilizada nos HDs e em sensores de vários tipos.

Como a cabeça leitora de um HD lê um bit.

O físico inglês Michael Faraday, no século 19, descobriu que um campo magnético variável gera uma corrente elétrica em uma bobina metálica que esteja nas proximidades. Nas imagens abaixo vemos que, quando a bobina passa perto do ímã o campo magnético (cujas linhas de força são representadas toscamente por traços verdes) induz uma corrente elétrica que é acusada por um pulo do ponteiro do amperímetro. A animação é fraquinha, reconhecemos, mas serve para explicar como uma cabeça de leitura de um disco rígido lê os dados armazenados nas trilhas desse disco.

Passando uma pequena bobina por uma seqüência de ímãs alinhados, obtemos uma sucessão de pulsos de corrente elétrica. Esses pulsos são os “bits” de dados – nada mais que uma seqüência de 1s e 0s. Um conjunto de 8 bits, como toda criança sabe hoje em dia, forma 1 “byte”.

Era mais ou menos assim que o HD de um computador armazenava e lia seus importantíssimos dados, seus documentos, as fotos de sua namorada etc. As trilhas do HD são feitas de minúsculos ímãs, de dimensões moleculares. No ponto da trilha em que há um ímãzinho existe um campo magnético que pode induzir um pulso de corrente na bobina de leitura, quando ela passa por cima desse ponto. As cabeças de leitura dos HDs antigos eram, essencialmente, pequeninas bobinas onde eram induzidos os pulsos de corrente (os bits). Um pulso indica um bit = 1; a ausência de pulso indica um bit igual a zero.

Leitoras desse tipo (bobinas) são legais mas têm várias limitações. Há uns anos, o pessoal achava que tinha atingido a capacidade máxima de armazenamento de dados nos discos rígidos. Entre as várias razões para essa desanimadora constatação, eram citadas: a) não dava para espremer mais ímãs microscópicos nas trilhas pois eles já estavam tão espremidos que o campo de um começava a interferir com o campo do outro e os bits se confundiam; b) as cabeças de leitura (bobinas) tinham atingido seu máximo de sensibilidade e não podiam mais ser reduzidas de tamanho. A opinião corrente, naquele tempo, era que o armazenamento magnético estava chegando a seu triste fim e seria totalmente substituído pelo armazenamento ótico, com o uso de “lasers”.

Quem apostou nessa previsão, dançou. Como vemos hoje, os HDs estão com capacidade e velocidade de leitura cada vez maiores. Isso acontece porque em 1988 foi descoberta a Magnetorresistência Gigante e a sensibilidade das cabeças de leitura ganhou um fantástico incremento.

Na seção seguinte, vamos contar, de modo muito resumido o que é a MRG. Não dá para ser muito rigoroso pois não pretendemos ocupar as cabeças de leitura de nossos visitantes (as biológicas, acima dos ombros) com detalhes de teoria quântica e coisas assim.

A Magnetorresistência Gigante.

Albert Fert

A Magnetorresistência Gigante (MRG) foi descoberta, em trabalhos simultâneos e independentes, pelo francês Albert Fert e pelo alemão Peter Gruenberg. Por esse trabalho, os dois ganharam o Prêmio Nobel de Física no ano de 2007. O físico brasileiro Mário Norberto Baibich, que trabalha na Federal do Rio Grande do Sul, fez parte da equipe de Fert na França. Seu nome encabeça a lista de 9 pesquisadores que assinam o artigo pioneiro sobre a MRG.

Peter Gruenberg

Esse trabalho faz parte de uma área da Física da Matéria Condensada que investiga as propriedades de múltiplas camadas de materiais diferentes, as chamadas “super-redes”. As minúsculas dimensões dessas camadas, de proporções moleculares, fazem com que as super-redes apresentem propriedades elétricas e magnéticas bem diferentes das usuais nos materiais contínuos. No caso em questão, os pesquisadores usaram finíssimas camadas de material magnético separadas por uma camada de material não-magnético. Quando falamos de material magnético queremos dizer que o material possui, em sua estrutura molecular, ímãs (ou “spins”) de dimensões microscópicas que podem se alinhar na presença de um campo magnético. O ferro e o cobalto, por exemplo, são materiais com esse tipo de propriedade. Já o cobre não é magnético, isto é, não tem esses ímas moleculares – não dá para fazer um ímã de cobre.

O funcionamento dessas camadas lembra um pouco o que se passa em polarizadores de luz. Como você sabe, colocando dois polarizadores com direções cruzadas, a luz é bloqueada. Mas, se os polarizadores estão com as direções de polarização paralelas, a luz passa sem problema.

A MRG apareceu quando os físicos fizeram 3 camadas muito estreitas, em pilha uma sobre a outra. A primeira era de material magnético, a do meio era de material não magnético, e a terceira repetia a primeira, com o mesmo material magnético.

Os ímãs microscópicos das camadas magnéticas podem ser orientados por um campo magnético. Digamos que a primeira camada tenha ímãs orientados para a direita, como na figura. Elétrons cujos spins tenham a mesma orientação conseguem passar por essa camada sem muita dificuldade. Isto é, para esses elétrons alinhados, a resistência elétrica é pequena, pois a possibilidade de serem impedidos pela rede é pequena. Mas, se a terceira camada tiver ímãs alinhados na direção oposta, esses mesmos elétrons serão “espalhados” e não conseguirão passar por ela, encontrando grande resistência. Portanto, quando as duas camadas magnéticas estão com o mesmo alinhamento, elétrons com spins alinhados nessa mesma direção passam facilmente pela estrutura. Quando uma das camadas tem alinhamento oposto, os elétrons são barrados. A diferença porporcional entre essas resistências (grande e pequena) é a chamada MRG. Veja na figura abaixo uma representação simplificada desse fenômeno.

É fácil alinhar os ímas moleculares das camadas. Basta usar um campo magnético que nem precisa ser muito forte. Pode ser, por exemplo, o campo dos pequenos ímãs de uma trilha magnética de HD. Mas, como construir camadas com direções magnéticas alternadas?

Pois foi essa a grande sacada dos pesquisadores nobelistas. Eles descobriram que, para certas espessuras das camadas e de suas separações, os ímas microscópicos preferem, naturalmente, se alinharem em direções opostas. Esse é um efeito quântico que tem a ver com as propriedades de materiais quando as dimensões do sistema são muito pequenas. No caso, a pequenez está na espessura das camadas usadas. Como eles viram, quando as espessuras são corretas, acontece o chamado “acoplamento antiferromagnético”. Isto é, os spins moleculares se alinham antiparalelamente nas camadas, sem precisar de campo magnético externo.
Um material magnético usado nas camadas costuma ser o cobalto. Já o espaçamento não magnético pode ser feito de cobre. Os físicos descobriram que, quando a espessura das camadas de cobalto é de 11 Angstrons (1 Angstrom = 10-8 cm) e a camada intermediária de cobre tem espessura de 9 Angstrons, a resistência à passagem de elétrons através da estrutura é máxima. Esse é o efeito chamado de Magnetorresistência Gigante.

Aplicando um campo elétrico externo os spins dos ímas das camadas são forçados a se alinharem e a resistência cai para um valor mímimo. Portanto, se o campo externo oscilar entre mais ou menos 1 tesla, a resistência varia de uns 75% de seu valor de referência.

Note que uma espessura de 9 Angstrons é muito pequena – um átomo de cobre mede cerca de 3 Angstrons.

Essa estrutura pode, então, ser usada na cabeça de leitura do HD. Como vemos abaixo, a cabeça contém o conjunto de camadas e um suporte condutor ligado a terminais por onde passam os pulsos de corrente. Quando a cabeça está sobre um “bit” dá-se um pulso que é registrado pelo computador. Lembre que as dimensões dos componentes mostrados nessa figura são extremamente minúsculas.

O trabalho pioneiro dos físicos nobelistas de 2007 foi feito em condições muito rigorosas. O material e a espessura das camadas eram controlados com extremo cuidado e o sistema todo era submetido a temperaturas baixíssimas, perto do zero absoluto, na presença de campos magnéticos externos muito fortes. Mas, logo os engenheiros da indústria de informática descobriram que essas condições extremas não eram necessárias para a obtenção e utilização do fenômeno da Magnetoresistência Gigante. É o que veremos na seção a seguir.

A evolução da capacidade de armazenamento de dados.

O uso da Magnetorresistência Gigante na tecnologia dos discos rígidos mostrou como o tempo entre uma descoberta científica e sua utilização em aplicações comerciais está ficando cada vez mais curto. No caso da MRG, esse tempo foi de cerca de 9 anos.

Como dissemos antes, os engenheiros não demoraram a construir sistemas de multicamadas de materiais magnéticos e não-magnéticos que apresentam o fenômeno de MRG em temperatura ambiente e na presença de campos magnéticos bem fraquinhos.

Uma inovação que esses engenheiros implementaram foi o sistema chamado de “válvula de spin”. Nessa variação, são usadas 4 camadas (ou mais) com a seguinte estrutura. A primeira camada (em geral de Níquel e Ferro) é magnética e seus spins podem ser alinhados em qualquer direção por campos magnéticos externos. Depois, vem uma camada não-magnética, de cobre. A seguir, outra camada de níquel-ferro. Só que os spins dessa camada são “pinados”, isto é, são presos em uma única orientação que é forçada pela presença da quarta camada, a mais baixa, feita de ferro-manganês. Com essa arquitetura, os engenheiros conseguiram fazer cabeças de leitura de HD de altíssima sensibilidade, resolvendo um problema crucial dos discos rígidos.

O gráfico acima, adaptado de outro gráfico publicado pela revista Wired, mostra a queda vertiginosa do preço de armazenagem de 1 gigabyte de memória nos discos rígidos e nos pendrives USB. É possível que essas memórias tipo Flash, usadas nos pendrives, fiquem até mais baratas que os discos rígidos, em um futuro próximo.

Só por curiosidade, vale a pena lembrar que o primeiro disco rígido foi feito pela turma da IBM em 1956. Tinha uma capacidade estrondosa de 5 megabytes (5 x 106 bytes), custava uns 50.000 dólares e media quase 2 metros. Em 1990, os discos rígidos comuns em microcomputadores já ostentavam uns 20 megabytes de capacidade e eram bem pequenos- foi quando alguns pessimistas decretaram a saturação da capacidade, como falamos acima. Pois já em 2000, com o uso da MRG, a capacidade dos discos rígidos pulou para mais de 60 gigabytes (6 x 109 bytes). Hoje, qualquer computador pé de chinelo, comprado nas mercearias de esquina, tem HD de 320 Gbytes. E até a gente, aqui na Seara, já comprou um HD com 1 terabyte de capacidade (1 terabyte = 1 trilhão de bytes = 1012 bytes). É possível (e até provável) que dentro de poucos anos esse HD esteja superado e uma nova tecnologia seja usada. Quando isso acontecer, voltaremos para explicar. Um abraço.

 

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