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A TV Digital

Ela chegou no Brasil e a gente precisa saber mais para aproveitá-la melhor.

Em Dezembro de 2007, segundo ouvimos dizer, as primeiras transmissões abertas de TV digital começaram em São Paulo. Esse ano começarão também para nós da periferia. Portanto, está na hora de você começar a se informar sobre essa novidade que, dizem alguns, vai revolucionar nossa forma de ver televisão. Será mesmo? Ou será que teremos apenas as mesmas novelas e big-brothers com menos chuviscos?

De qualquer modo, nunca é demais saber sobre algo que pode afetar nossa vida diária. Que precisaremos fazer para pegar esse bonde? E quanto isso vai custar aos nossos já combalidos recursos financeiros? E que vantagens essa nova TV pode nos trazer?

É sobre isso que vamos conversar nas próximas seções, aproveitando, como é nosso costume, para infiltrar alguns conceitos de física e tecnologia. Tentaremos fazer isso usando o mínimo de jargão e tecnicalidades (o que nem sempre é possível) destrinchando ao máximo o que interessa sobre o tema.

Vamos lá.

NOTA:
Esse texto foi escrito em 2006, logo está bem defasado. Entretanto, os princípios explicados a seguir são válidos ainda hoje. Por outro lado, algumas das coisas previstas nesse texto (em 2006) foram comprovadas e valem hoje, como explicaremos no último capítulo.

A velha TV analógica e a nova TV digital.

As diferenças mais visíveis entre a velha TV analógica que temos em nossas salas e a nova TV digital que deve chegar em breve no Brasil estão ilustradas na figura abaixo.

Para começar, note que o aparelho mostrado não é nenhuma TV de plasma ou LCD. É uma cansada TV de tubo catódico, semelhante a muitas que vemos nas salas brasileiras..

Na esquerda, o aparelho está recebendo e mostrando um sinal de TV ANALÓGICA. Na direita, temos o mesmo aparelho, daqui a algum tempo, exibindo um sinal de TV DIGITAL. É bem visível a maior nitidez da imagem digital. Notamos também que essa imagem é mais estreita, com faixas escuras em cima e em baixo da tela. Por fim, aparece sobre o aparelho da direita uma misteriosa caixa preta.

Como vamos explicar nas seções seguintes, a maior nitidez da imagem digital se deve ao maior número de linhas que são apresentadas na tela. Na TV analógica de hoje, a imagem tem 480 linhas. Na TV digital de amanhã, terá 720 linhas ou até mais.

Por outro lado, algumas das imagens digitais que receberemos terão largura e altura em uma proporção de 16 para 9. É a chamada “tela larga”, ou em inglês, a “widescreen”, tipo tela de cinema. Já as imagens de TV analógica são todas no formato 4×3 e seu aparelho antigo foi feito para encher a tela com esse formato. A imagem 16×9, para caber na mesma tela, vai deixar uns espaços desocupados na tela.

Já a caixa preta sobre a TV da direita é familiar aos telespectadores que recebem TV a cabo ou satélite. É o chamado “set-top-box”, (“caixa para colocar em cima do aparelho”). Para conseguir mostrar a imagem de TV digital, seu velho televisor vai precisar dessa caixinha. É ela que se encarrega de “decodificar”, isto é, interpretar o sinal recebido e passá-lo ao televisor de um modo que ele entenda e funcione.

Como é que o sinal digital consegue essa proeza de mostrar uma imagem mais nítida e larga que aquela que temos agora? É o que veremos a seguir.

Uma metáfora para explicar a compressão do sinal de TV digital.

 

Começaremos nossa metáfora imaginando uma esteira rolante ao lado de um tabuleiro de xadrez com 64 casas. Na esteira estão pintadas réplicas do tabuleiro com pontos que formam algumas letras. A primeira réplica tem 11 casas pintadas formando a letra L. Um robô é programado para “ler” o que está pintado nas réplicas e copiar cada letra no tabuleiro. Um de seus braços passa pelas casas da réplica, linha após linha, e quando encontra um ponto pintado orienta o outro braço a colocar uma peça na casa correspondente do tabuleiro. Desse modo, depois de passar pelas 64 casas da réplica, o robô terá formado a letra L no tabuleiro. Nesse ponto, o robô espera um pouco enquanto a letra é visualizada e. logo após, limpa o tabuleiro. A esteira avança e o robô repete o processo para formar a letra seguinte, um O. Depois da quarta vez, terá mostrado as letras da palavra LOVE.

A esteira representa, em nossa metáfora, a onda que traz o sinal de TV e o tabuleiro faz o papel do receptor. O robô e seus braços fazem o papel da eletrônica no receptor de TV: converte a informação que recebe da onda que vem da emissora (as réplicas) em uma imagem no receptor (o tabuleiro). No sistema analógico, o sinal traz toda a configuração das imagens por completo, que é reproduzida linha a linha, quadro a quadro, na tela da TV.

Nesse ponto de nossa estorinha, o engenheiro encarregado vê que o processo todo pode ser mais simples e eficiente. Em sua nova versão, a esteira deixa de trazer réplicas completas do tabuleiro e traz apenas marcas sucessivas indicando em que posições do tabuleiro devem ser colocadas as peças. Um braço do robô “lê” essas informações e orienta o outro braço a colocar as peças nos locais indicados. Portanto, em vez de visitar 64 casas das réplicas, muitas em branco, o robô só se move 11 vezes para formar a letra L, parando quando encontra uma marca na esteira. Depois, prossegue para a letra seguinte, o O. Acontece que o O tem apenas 9 peças além das que já formavam o L. Logo, o robô só precisa de 9 movimentos, economizando ainda mais tempo.

No sistema digital, quem chega ao receptor são os “bits” que informam que pontos da tela (os “pixels”) devem ser iluminados. A reprogramação dos braços do robô representa o que se processa na caixa preta. A analogia mostra, de forma simplista, como é possível fazer a “compressão” dos dados para apresentar cada quadro em muito menos tempo, eliminando redundâncias.

O engenheiro vê, satisfeito, que o novo método “digital” tornou muito mais rápida a tarefa de mostrar os padrões no tabuleiro. Ele resolve então aproveitar o tempo economizado para melhorar a aparência das letras, usando um novo tabuleiro com 16 linhas e 16 colunas, com um total de 256 casas.

A economia de tempo no transporte do sinal digital permite, sem nenhum prejuízo, encher telas de maior resolução, com 720 linhas, por exemplo, obtendo imagens mais nítidas. Como veremos adiante, dá para mostrar imagens digitais com mais de 1000 linhas, no mesmo tempo necessário para mostrar uma imagem analógica de 480 linhas.
A seguir, vamos descrever, usando alguns detalhes um pouco mais técnicos, como os sinais, analógicos ou digitais, são transmitidos da emissora aos receptores.

A modulação e a tal largura de banda.

 

O que vem da emissora de TV até seu aparelho receptor é uma onda eletromagnética (onda EM). Na figura abaixo, representamos o gráfico de uma onda EM com amplitude (altura dos picos) e freqüência constantes. Sinais de TV têm freqüências na faixa de 30 a 300 MHz (MHz = megahertz = 1 milhão de ciclos por segundo). Essa é a faixa chamada de “freqüência muito alta”. Se nada variar, como acontece na onda EM desenhada abaixo, nenhuma informação relevante será transmitida por ela. Para que isso aconteça, a onda tem de ser MODULADA. Existem vários métodos de modular uma onda: pode-se modular a amplitude, a freqüência ou a fase. Vamos descrever essas duas primeiras que são as formas mais fáceis de entender.

A figura ao lado mostra um esquema da forma mais antiga de modular uma onda EM, usada desde que o rádio foi inventado. É a Amplitude Modulada (AM) usada pelas rádios mais populares que adoram programas policiais.
A onda EM, dita “portadora”, é MODULADA por outra onda de freqüência mais baixa, o “sinal”, que pode ser de áudio ou de vídeo. Depois de modulada em amplitude a onda EM fica com a forma vista em baixo e leva a informação da onda moduladora da emissora para o receptor. No receptor, a eletrônica “extrai” o sinal AM modulado e transforma-o em vídeo ou áudio ou ambos.

Essa forma de modulação ainda é usada nas emissoras de rádio mas não é propícia para transportar sinais de vídeo com boa qualidade. Para isso, são usados outros tipos de modulação.

 

Outra forma muito usada de modulação de uma onda EM consiste em deixar a amplitude invariante e modificar a freqüência segundo as variações da onda moduladora. Essa é a chamada Freqüência Modulada (FM) usada pelas rádios mais chiques, que gostam de programas musicais. A freqüência da onda modulada passa a variar em torno da freqüência da onda portadora, sendo acrescentada ou subtraída das frequências da onda moduladora. O resultado é que a onda EM passa a ter uma distribuição de frequências em torno da freqüência da portadora. Essa distribuição em geral é contínua. variando de uma freqüência mínima a uma freqüência máxima em torno da freqüência da portadora.

Traçando-se um gráfico da distribuição de frequências, isto é, desenhando-se o “espectro” de frequências do sinal, obtém-se uma figura semelhante a essa vista ao lado. A onda vibra principalmente com a freqüência central, que é a freqüência da portadora, mas também apresenta outras frequências que se distribuem por uma região que é chamada de “banda de frequências” do sinal transmitido. A famosa “banda larga”, que faz a alegria dos viciados na internet, é simplesmente uma distribuição como essa, que comporta altas taxas de transferência de dados. Um canal de TV analógica necessita de uma banda de uns 6 MHz de largura para funcionar. Hoje, isso é considerado um enorme desperdício de banda.

A TV digital, como já vimos, usa um processo muito mais eficiente para transmitir as imagens e sons. Os dados vêm em pacotes, os “bits”, permitindo a incorporação de técnicas de compressão impossíveis de serem usadas na transmissão analógica. Na linguagem digital, prefere-se medir a largura de banda em bits por segundo (bps), em vez de Hertz (ciclos por segundo). Para efeito de comparação, 1 Hertz equivale, aproximadamente, a 3 bps. Portanto, os 6 MHz usados na banda analógica equivalem a 20 Mbps (20 milhões de bits por segundo). Quem usa a internet reconhece que essa é uma banda bastante larga.

Agora já sabemos o suficiente para começarmos a nos aventurar na descrição dos vários tipos de TV digital e suas vantagens e desvantagens. É o que veremos a seguir.

Tipos de TV digital; sopa de letrinhas.

Nessa seção, vamos tentar esclarecer o significado da torrente de siglas que acompanha o noticiário acerca da TV digital nos jornais e revistas. É uma sopa de letrinhas, quase todas oriundas de termos em inglês. Quando você for comprar sua primeira TV digital, daqui a uns meses, o vendedor vai lançar essa chuva de siglas para lhe impressionar. Só que você já estará preparado.

Os 3 tipos mais importantes de padrão digital são: o SDTV, o EDTV e o HDTV. Todas essas letras são siglas do inglês: SDTV (“standard definition television”), EDTV (“enhanced definition television”) e HDTV (“high definition television”).Certamente, você sabe o significado desses termos; “standard” é “padrão”, “enhanced” é “incrementado” e “high definition” é “alta definição”. São padrões que diferem fundamentalmente na RESOLUÇÃO, isto é, quantos pontos luminosos (“pixels”) aparecem na tela. Hoje, com a vulgarização das câmeras fotográficas digitais, todo mundo sabe o que é um “pixel”. Mas, por razões de tradição, a resolução ainda é descrita pelo número de linhas na tela.

As linhas podem ser traçadas na tela da TV de 2 formas: a progressiva (letra p), onde as linhas são mostradas uma após a outra, sem interrupção, e a intercalada (letra i), onde são mostradas primeiro as linhas ímpares e depois as pares, fechando o quadro. Os técnicos vivem discutindo qual é o melhor dos dois e a maioria dos telespectadores não consegue ver nenhuma diferença entre o resultado das duas.

SDTV (“standard definition television”):
É a forma de menor resolução dos tipos de TV digital. Pode ter 480 linhas progressivas ou intercaladas (480p ou 480i) e a imagem pode ter aspecto 4×3 ou 16×9. Usa uma largura de banda de uns 2 Mbps, se a compressão usada for o MPEG-4. Logo, os 20 Mbps herdados dos 6 MHz da banda analógica comportam até 10 sinais de SDTV. As emissoras estão ansiosas para ganhar essa fartura de banda. A qualidade da imagem é só um pouco melhor que a analógica e equivale, mais ou menos, à qualidade de uma imagem de DVD.

EDTV (“enhanced definition television”):
É um padrão intermediário que apresenta até 720 linhas, progressivas ou intercaladas, com aspecto 4×3 ou 16×9.

HDTV (“high definition television”):
É a Ferrari dos padrões digitais. Tem resoluções 720p ou 1080 (p ou i) e usa aspecto 16×9. Certamente, você já viu nas lojas de eletro-eletrônicos aquelas televisões de tela enorme, de plasma ou LCD, exibindo uma imagem de nitidez impressionante. É um sinal tipo HDTV, por enquanto vindo de um disco.

Toda transmissão digital usa compressão. As câmeras de fotografia digital usam o sistema chamado JPEG (“Joint Photographic Expert Group”) que é o padrão mais comum para fotos. Já para vídeo e som, o sistema de compressão preferido é o MPEG (“Moving Picture Experts Group”) que tem várias versões. Os japoneses usam o MPEG-2 em sua TV digital. Nós, aqui no Brasil, vamos usar o MPEG-4, que é mais moderno e eficiente.

Resta falar na qualidade do som nas televisões digitais. A TV analógica usa um sinal de FM para transportar o som. É bom mas será bem melhor na TV digital. Nos Estados Unidos, o som da televisão digital usa o famoso padrão Dolby 5.1 que pode ser ouvido por 5 altofalantes (3 na frente e 2 atrás). O (.1) indica o chamado “sub-woofer”, um som grave distribuído pelas caixas e que faz o deleite de quem gosta de zoeira. No Brasil, ainda não sabemos que tipo de som será usado, mas certamente também será 5.1.

É provável que os primeiros sinais de TV digital no Brasil sejam no padrão SDTV. No início, só raramente alguns programas especiais serão transmitidos em HDTV. Isso porque o sinal de HDTV ocupa quase toda a banda disponível de 6 MHz e as emissoras preferem dividir a banda em vários canais. Mesmo assim, para quem só tem TV aberta, de antena interna ou externa, as imagens e os sons serão visivel e auditivamente melhores. Aliás, essa é uma das particularidades da TV digital: ela não tem chuvisco nem fantasma desde que o sinal seja realmente recebido. Em outras palavras, ou a gente recebe um sinal de boa qualidade ou não recebe nada.

Vamos, a seguir, descrever com mais detalhes o tipo de TV digital que foi escolhido pelo governo brasileiro e chegará a nós nos próximos meses.

O sistema brasileiro, dito SBTVD-T.

Vamos agora dizer alguma coisa que sabemos sobre o SBTVD-T (mais letrinhas…), isto é, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre. Quando se começou a pensar em implantar a TV digital por aqui, surgiu o dilema: que tipo de padrão adotar? Na verdade, adotar um padrão significa adotar um tipo definido de modulação do sinal digital. As possibilidades eram 4: usar o sistema americano, ou o europeu, ou o japonês, ou investir em um sistema próprio nosso. Depois de muitas idas e vindas, brigas e picuinhas entre o governo, as redes de televisão, as operadores de telefonia, os profissionais do ramo, os pesquisadores das universidades e um monte de intrometidos que sempre aparecem para dar palpites, o governo decidiu escolher o padrão japonês, chamado de ISDB-T. A opção de montar um padrão nacional próprio, defendida por técnicos e acadêmicos, foi descartada por ser muto cara e exigir pelo menos uns 10 anos para ser implantada. Os argumentos para a escolha do padrão japonês foram os seguintes, em resumo.

a) O padrão americano (ATSC) foi o primeiro a aparecer na história da TV digital e, por isso, já é considerado um tanto obsoleto. Começou a ser usado até antes do surgimento da telefonia celular e, portanto, não se presta para transmitir sinais de vídeo para esses aparelhos móveis. Para piorar, os americanos cobram caro pelos direitos de uso de seu padrão e ninguém quer dar dinheiro fácil para o Bush.

b) O sistema europeu (DVB) é melhor que o americano e era o preferido das operadoras de telefonia pois o sinal de TV digital para celulares, nesse padrão, tem de ser transmitido pelas antenas delas. Os europeus também não abrem mão do direito de uso de suas patentes.

c) O padrão digital japonês (ISDB-T) foi o último a aparecer e, por isso mesmo é o mais completo, pois aproveitou as experiências dos anteriores. Depois de uma série de conversas e acordos, os japoneses concordaram em abrir mão de seus “royalties” para os brasileiros e permitir que nossos técnicos injetassem capacidades extras no padrão sem nenhum custo. O sinal tipo japonês pode ser transmitido de uma só antena e captado por aparelhos fixos ou móveis (celulares, por exemplo). As teles não gostaram, inicialmente, mas acabaram se resignando pois terão um trunfo: a interatividade. Para que o telespectador tenha alguma participação, além de só ver o que está na tela, é necessário um canal de retorno. O mais adequado, provavelmente, são as linhas de telefone fixo ou celular.No fim, todos ganham.

Hoje, quando o padrão já foi escolhido e fim de papo, há quem diga que o sistema brasileiro poderá ser até melhor que o japonês do qual deriva. Uma das diferenças, por exemplo, estará na compressão. Os japoneses usam o MPEG-2 e os brasileiros usarão o MPEG-4, mais moderno e potente, capaz de compressões 2 ou 3 vezes maiores que o MPEG-2, sem perda de qualidade.

E como temos permissão para mexer no sistema, os técnicos brasileiros já estão inventando algumas peculiaridades que serão acrescentadas aos programas de recepção do sinal digital. Inicialmente, estão trabalhando nos programas que estarão nas caixas pretas de decodificação, com a intenção de facilitar e enriquecer a interação do usuário com os canais de transmissão de conteúdo. Isto é, proporcionar uma maior INTERATIVIDADE entre nós, os telespectadores, e quem estiver do outro lado, enviando os sinais digitais. Esse é o assunto da próxima seção.

A prometida interatividade.

No Brasil, praticamente toda casa tem um aparelho de TV. A grande maioria dos brasileiros recebe o sinal aberto, que vem pelo ar da antena transmissora para o receptor. Uns poucos tem TV a cabo e o pessoal do interior usa antena parabólica para receber sinais pelos satélites.

A instrução do governo que lançou as normas para a TV digital brasileira deu um prazo até 2016 para as emissoras migrarem por completo do analógico para o digital. Até lá, o sinal analógico tem de ser mantido. Além disso, anunciou a intenção de usar a TV digital como fator de inclusão social. Para que isso possa realmente acontecer, é fundamental que a TV digital brasileira permita e use a interatividade. E, para haver interatividade, é necessário que o telespectador possa enviar mensagens de volta através dos canais disponíveis. Isso provavelmente será feito através da caixa preta de decodificação e seus programas internos. Essa caixa nada mais é que um pequeno computador com processador, memória, sistema operacional, decodificador de som e vídeo e um programa que comanda tudo isso, o chamado “middleware”.

A idéia é que os brasileiros deixem de ser meros telespectadores e passem a ser teleparticipadores. Em vez de só assistir o Jornal Nacional e se indignar, sem nada poder fazer, com as notícias de corrupção dos políticos, o cidadão poderá reagir e enviar, na hora, alguns desaforos para descarregar sua insatisfação. É claro que hoje ele já pode fazer isso pelo telefone ou pela internet, mas, um retorno imediato, usando o próprio controle remoto da TV será muito mais contundente. E, para que a interatividade seja real, deve ser possível enviar essa mensagem de desagrado diretamente aos corruptos.

Podemos também imaginar cenários menos estressantes para o uso da interatividade. Os mais desejáveis incluem as possibilidades de uso dessas ferramentas para instruir e educar nossos compatriotas que não têm acesso a outros meios, como a internet, boas escolas, livros, jornais e revistas, museus, cinemas, teatros e tudo mais que as classes mais favorecidas dispõem naturalmente. Tomara que isso aconteça, realmente.

A interatividade que seguramente virá, pois proporciona lucros aos fornecedores, será usada para fazer compras, votar no big-brother, fofocar sobre os astros e estrelas das novelas e coisas do gênero. Lendo aquela citação de Brecht, feita em 1932, e analisando o que sai de nossas rádios hoje em dia, não dá para ter muita ilusão sobre o que virá com a interatividade da TV digital brasileira.

E nós, os telespectadores, como ficamos?

Se você é um brasileiro típico, classe média, é provável que tenha em sua sala um aparelho de TV de tubo catódico, colorido, tela de 26 polegadas, ligado a uma antena de telhado ou a um cabo. Às vésperas da chegada da TV digital você deve estar se perguntando: que devo fazer?

Por enquanto, nada. Esse é um péssimo momento para comprar um novo aparelho de TV pois as coisas ainda não estão completamente definidas. Ninguém ainda sabe quando o sinal digital estará disponível para valer, com 24 horas de transmissão por dia, nem se será SDTV ou se já começará com imagens de HDTV. E nem sabemos qual será o preço da caixinha preta de decodificação. O governo fala em 100 reais e os fornecedores falam em 1000. Vamos ver no que dá.

Mesmo se você estiver estribado, com grana para adquirir um aparelho de LCD ou plasma, o melhor é esperar um pouco mais. Comprar uma TV de plasma agora não é uma boa pedida. É muito provável que, nos primeiros meses da implantação do sinal digital, a imagem ainda venha no aspecto 4X3 para satisfazer a grande maioria de pessoas que ainda tem televisores nesse formato. E a TV de plasma tem uma mania chata: se uma parte da tela tiver uma imagem constante a tela “queima” naquela região. Isto é, quando a imagem muda, fica uma espécie de sombra remanescente no local. E, como vimos, uma imagem 4×3 em uma tela 16×9, como são as de plasma, deixa faixas escuras nas laterais. Com o tempo de uso, essas faixas vão “queimar”, afetando permanentemente a luminosidade dessa área. Quando, finalmente, chegarem as imagens 16×9, a tela a plasma já estará danificada nessas faixas.

Quem tem TV a cabo poderá, também, ter uma surpresa quando a TV digital aberta chegar. Ao visitar o vizinho que só tem o sinal aberto, com uma anteninha de chifres sobre o receptor, ele ficará intrigado por ver uma imagem de melhor qualidade que aquela que tem em sua casa. Isso se dará porque as operadoras de cabo já usam um sinal digital (pois já usam uma caixa preta) mas esse sinal tem qualidade menor, tipo DVD. As operadoras vâo ter de trocar todas as caixinhas de seus assinantes e, muito certamente, vão cobrar por isso.

De qualquer modo, podemos esperar mudanças para melhor na qualidade das imagens que vamos receber. É provável que, daqui a alguns meses ou anos, você tenha em sua sala um aparelho de TV semelhante a esse aí em baixo, mostrando as imagens da TV digital em gloriosa resolução HDTV, 1080 linhas, som 5.1 e aspecto 16X9. Quanto à qualidade do conteúdo, não dá para ter muita esperança, infelizmente.

 

NOTA:

Esse texto foi escrito há vários anos, logo, tem partes já superadas pelo rápido avanço da TV digital no Brasil.
Hoje, já vale a pena comprar um aparelho, de preferência do tipo LCD, com suporte a HDTV e com o conversor integrado.
Durante a Copa do Mundo da África do Sul, vimos a excelente qualidade das imagens em alta resolução, onde dá para distinguir até folhinhas da grama do campo. Além disso, a alta resolução e o aspecto 16×9 permitem a visualização do campo praticamente inteiro, possibilitando uma melhor compreensão da movimentação dos jogadores.
Nas novelas, as emissoras capricham no cenário e nas vestimentas dos atores e atrizes. Só falta agora melhor conteúdo educativo, usando a interatividade, que até agora só está na promessa.

Por outro lado, nossa antecipação sobre a (baixa) qualidade do conteúdo da TV digital foi comprovada, infelizmente.

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