Área do cabeçalho
gov.br
Portal da UFC Acesso a informação da UFC Ouvidoria Conteúdo disponível em: Português

Universidade Federal do Ceará
Seara da Ciência

Área do conteúdo

Origem da Vida

Como foi que tudo começou? Só lendo para saber.

Como e onde começou a vida? Qual foi o mecanismo que transformou, em algum instante do passado, um pedaço de matéria inanimada, morta como um tijolo, em um microscópico ser vivo capaz de se alimentar e se reproduzir?
Com o risco de perder alguns leitores logo no segundo parágrafo, informamos que ainda não existem respostas definitivas para essas perguntas. Entretando, não temos a menor dúvida de que vale a pena conhecer um pouco do que já se sabe e do que já foi descoberto nas pesquisas que buscam essas respostas. Primeiro, porque esse é um dos temas mais excitantes da ciência, com implicações filosóficas, existenciais e religiosas. E depois, conhecer o que se sabe (e o que não se sabe também) sobre tão palpitante assunto é útil para se poder acompanhar com mais interesse e proveito intelectual o avanço da pesquisa que, a cada dia, traz mais novidades.

A geração espontânea. Seres vivos formados diretamente da matéria em decomposição. Até que Pasteur acabou com a farra.

O senso comum dos antigos (e até de alguns modernos) dizia que o Sol girava em torno da Terra e que as moscas nasciam do lixo em decomposição. Segundo essa crença existiriam seres que eram gerados por outros seres semelhantes, como nós por exemplo, e seres que surgiam espontaneamente da matéria não viva. Essa hipótese era aceita por muita gente mas, no século 13, foi rejeitada por São Tomás de Aquino que preferia crer que todos os seres teriam sido criados por Deus, simultaneamente. A geração espontânea passou a ser considerada herética pelas autoridades religiosas. Assim mesmo, continuou a ser adotada pelo povão em geral e por filósofos, ateus ou não, como Renê Descartes e Francis Bacon.

Quando veio a revolução científica, a partir de Galileu, Newton, Leibniz e outros, a origem da vida passou a ser objeto de consideração e pesquisa. Com a invenção do microscópio, no fim do século 17, as observações de seres minúsculos, invisíveis a olho nú, passaram a ser rotineiras. Uma das primerias observações logo mostrou que alguns insetos que pareciam ser gerados do lixo, na verdade nasciam de minúsculos ovos, como ocorre com os pintos. Mesmo assim, alguns sábios eram de opinião que a geração espontânea, que não ocorria em seres macroscópicos, poderia ocorrer com os seres microscópicos. Segundo eles, a vida estaria em permanente processo de criação, no mundo do muito pequeno. Esse ponto de vista era aceito e difundido, principalmente, por filósofos ateus, que não concordavam com a idéia de um criador sobrenatural.

Essa era uma situação curiosa. Os avançados da época, movidos pelas grandes revoluções políticas e científicas que surgiam como moscas surgem do lixo, apoiavam a teoria da geração espontânea. E foi um cientista religioso e conservador que, finalmente, mostrou de forma categórica que seres vivos não são gerados de matéria não viva. Esse foi o francês Louis Pasteur.

Antes de Pasteur, porém, o biólogo italiano Lazzaro Spallanzani mostrou que moscas não nascem de carne podre. Ele colocou sopa em dois frascos de vidro e ferveu tudo para esterilizar o material. Depois fechou um dos frascos com uma tampa e deixou o outro aberto. Algum tempo depois, o frasco aberto tinha moscas e o fechado não tinha. Logo, ele concluiu, as moscas vinham de fora e não eram geradas da carne deteriorada da sopa.

Mesmo assim, Spallanzani não convenceu o pessoal que acreditava na geração espontânea. Segundo eles, o experimento não seria válido pois, ao selar um dos frascos, Spallanzani teria cortado o contato com o ar, onde existiria uma certa “força vital”, necessária para a geração de seres vivos. Spallanzani não soube refutar esse argumento e o teste definitivo acabou sendo realizado por Louis Pasteur.

Em suas experiências, Pasteur utilizou frascos de vidro com gargalos finos e curvos. Nesse tipo de frasco, Pasteur colocou líquidos de vários tipos como cerveja, urina, suco de frutas e tudo que diziam ser adequado para gerar vida espontânea. Fervia bem o material dos frascos e, depois de frios, deixava-os nas prateleiras por longo tempo. O resultado foi que, mesmo depois de muitos meses, não apareceu neles nenhum sinal de vida, nem microscópica nem macroscópica. No entanto, se o gargalo de um frasco fosse quebrado, o líquido logo escurecia e revelava contaminação. Como os frascos sempre tinham contato com o ar externo, a objeção de impedimento da tal “força vital” não se sustentava. A geração espontânea perdeu de vez a aceitação da comunidade de biólogos.

Com as observações de Pasteur ficou patente que vida só surge de vida. Tudo bem, mas, em algum momento do passado não havia vida nenhuma na Terra. E hoje há, como você pode desconfiar. De onde, então, surgiram os primeiros seres vivos? Como se deu a transformação da matéria orgânica e inorgânica inerte em organismos capazes de metabolismo e reprodução, merecedores da classificação de seres vivos?
Na seção seguinte, vamos relatar as primeiras hipóteses de importância que foram apresentadas para dar resposta a essas questões.

 

Os pioneiros: Oparin e Haldane. Da Terra estéril aos primeiros seres vivos.

A crença na criação e manutenção da vida por um ser sobrenatural começou a ser abalada na segunda metade do século 19. Em 1859, Charles Darwin publicou sua “Origem das Espécies” e a ciência, antes quase restrita aos fenômenos físicos e químicos, passou a esmiuçar com mais vigor as questões biológicas.
Mesmo assim, o assunto “origem da vida” ainda foi considerado quase um tabú por muito tempo. O próprio Darwin reconhecia que ainda não haviam elementos para atacar esse tema e escreveu: “pensar sobre a origem da vida, atualmente, é mera perda de tempo”. Até o início do século 20, ainda havia muita gente falando em “força vital”, algo etéreo que poderia transformar matéria inanimada em organismos vivos.

Talvez os primeiros biólogos a buscar uma explicação científica, passível de ser testada experimentalmente, para o surgimento da vida foram o russo Alexander Oparin e o britânico John Haldane. Na década de 20 (do século 20) os dois publicaram artigos que, por coincidência, tinham o mesmo título: “A Origem da Vida”. O artigo de Oparin foi publicado em russo, na União Soviética, em 1924, e o de Haldane na Inglaterra, em 1929. Uma curiosidade: o trabalho de Oparin foi recebido com entusiasmo por seus colegas na URSS, já que indicava uma origem materialista para a vida; enquanto o artigo de Haldane foi considerado pura especulação pelos ingleses, gente conservadora. Ambos, porém, se assemelhavam na rejeição do vitalismo e na busca de hipóteses naturais e testáveis para o surgimento da vida na Terra. O livro de Oparin foi traduzido para o francês e o inglês, na década de 30, e existe uma tradução para o português. Ainda hoje é um clássico da literatura sobre o tema. Se você encontrá-lo em um sebo não deixe de comprá-lo pois vale a pena.

Coacervados produzidos por Oparin

Segundo Oparin, compostos orgânicos como açúcares e proteínas, teriam se coagulado na forma de colóides, nos oceanos primitivos da Terra. A esses precipitados ele chamou de “coacervados”, pequenas gotas de material orgânico capazes de absorver substâncias de seus ambientes, em um processo semelhante ao metabolismo celular. Oparin foi capaz de reproduzir, em laboratório, a formação desses coacervados e mostrou que eles exibiam uma forma primitiva de metabolismo. Os coacervados, absorvendo material do meio ambiente e excretando os dejetos, eram capazes de crescer e se dividir. Segundo Oparin, a partir desse estágio as leis da evolução Darwiniana começariam a operar seus milagres. As gotas que apresentavam melhores características de crescimento e estabilidade passavam a dominar o pedaço, transmitindo essas características a seus descendentes. Dessa forma, sistemas cada vez mais complexos e eficientes seriam formados e a história da Terra nunca mais seria a mesma.É claro que isso não foi visto em laboratório já que seria um processo extremamente lento.

Uma observação: o trabalho de Oparin foi feito e publicado bem antes da descoberta da estrutura e função do DNA, em 1953. Talvez por isso, sua hipótese sobre a origem da vida fosse baseada em processos puramente metabólicos, sem o uso das funções genéticas.

Já o inglês Haldane, mesmo desconhecendo a função do DNA, preferiu, em sua versão de 1929, priorizar a genética na sua explicação da origem da vida. Haldane, com sua cara de galã de cinema, era comunista por gostar de controvérsias. Segundo um de seus amigos, se ele tivesse nascido na URSS seria monarquista. Haldane não considerava necessária a formação de “gotas” que se reproduziam, como pensava Oparin. Para ele, os primeiros organismos teriam sido simplesmente grandes moléculas orgânicas capazes de crescer e se reproduzir interagindo diretamente com o meio ambiente. E esse ambiente deveria ser o fundo dos oceanos, pois nesse estágio a superfície da Terra era bombardeada constantemente por meteoros e pela radiação ultravioleta do Sol, já que a camada protetora de ozônio só apareceria bem mais tarde, quando as plantas passaram a produzir oxigênio aos montões.
A razão da escolha de Haldane para sua teoria tinha muito a ver com a situação da pesquisa biológica na Inglaterra, na década de 20. Novas descobertas sobre vírus e bactérias surgiam a cada dia na Europa. Um vírus é um organismo muito simples (se comparado com bactérias e seres multicelulares). Não tem célula e é apenas DNA enrolado em proteínas. Haldane achava que a vida poderia ter começado assim, já que a organização dos vírus é tão bem sucedida que ainda hoje eles estão por aqui. Para Haldane, o vírus seria o elo perdido entre a matéria inanimada e os seres vivos. Ele dizia: “a vida pode ter permanecido no estágio de vírus por muitos milhões de anos , antes que a associação de unidades elementares desse origem à primeira célula”. Hoje, a maioria dos biólogos não concorda que os vírus tenham aparecido antes das bactérias, seres monocelulares. E pensam assim porque nenhum vírus consegue viver fora de uma célula. Para muitos, o vírus só é vivo quando penetra em uma célula, seja uma célula nucleada, como as nossas, ou uma sem núcleo, como as bactérias.
De qualquer forma, os trabalhos desses pioneiros acabaram se complementando mutuamente. Haldane, na década de 60, admitia que Oparin poderia estar certo quando dizia que a vida só surgiu com a formação das primeiras células. Uma concordância fundamental entre os dois, no entanto, consistiu na admissão de que os primeiros seres vivos devem ter usado, de forma proveitosa, o ambiente que existia na Terra primitiva. Ambos consideravam que a atmosfera, naquele tempo, era “redutora”. Isto significa que, diferentemente da atmosfera “oxidante” que hoje nos cerca, cheia de oxigênio, naquele tempo o que havia era metano (CH4), amônia (NH3), hidrogênio e água (H2O). Como veremos a seguir, essa idéia foi aproveitada e ampliada com muito sucesso pelos pesquisadores da década de 50.

A primeira experiência de Stanley Miller. Será que foi assim que começou?

Stanley Miller e seu laboratório

Em 1953, seguindo uma sugestão de seu orientador Harold Urey, o estudante de doutoramento Stanley Miller levou a cabo alguns experimentos que deram muito o que falar. Urey era partidário da idéia segundo a qual a Terra primitiva, há bilhões de anos atrás, tinha uma atmosfera redutora composta , principalmente, de metano (CH4), amônia (NH3), hidrogênio e água (H2O). Ainda não havia oxigênio na atmosfera pois os geradores desse gás, as plantas, só apareceriam milhões de anos depois.

Miller montou uma simulação desse ambiente e da “sopa primordial” que existiria na Terra primitiva. Colocou água dentro de um frasco, juntou os gases sugeridos por Urey, selou o conjunto e aqueceu tudo. Para que a coisa ficasse ainda mais parecida com as terríveis condições existentes na infância da Terra, submeteu a mistura de gases a descargas elétricas que representavam o papel dos raios que deviam ser mais freqüentes naquele tempo do que são hoje. O processo foi mantido por vários dias e depois o frasco foi resfriado. Constatou-se, então, que os produtos coletados do líquido inicialmente límpido consistiam de uma gosma amarronzada.

A análise química dessa gosma trouxe uma revelação que abalou a comunidade dos pesquisadores da origem da vida e ganhou as manchetes dos jornais. Cerca de dois por cento do material da gosma era formado de aminoácidos, os constituintes das proteínas.

Embora na época a descoberta de Miller tenha causado furor e despertado entusiasmo, esse entusiasmo inicial foi gradualmente esmaecendo. A objeção mais direta dirigiu-se à proposta de Urey para a composição da atmosfera primitiva. Observações mais detalhadas dos geólogos indicavam que essa atmosfera seria neutra, não redutora como achavam Urey e Oparin. Na década de 80, as evidências geológicas começaram a indicar que a atmosfera da jovem Terra seria composta, principalmente, de gás carbônico, vapor de água e nitrogênio. Nada parecido com a mistura de gases do frasco de Miller.

Na verdade, esse ainda é um tema debatido pelos cientistas. Ainda há muita gente boa que insiste na idéia da atmosfera redutora. Mais adiante, comentaremos essa divergência com mais detalhe. E ainda teremos o que falar sobre Stanley Miller. De qualquer modo, a experiência de Miller mostrou que aminoácidos podiam ser produzidos sem dificuldade. Se as condições fossem propícias, esses aminoácidos poderiam se agrupar em proteínas. Só que esse agrupámento não é nada fácil pois implica em gasto de energia e, pior, na transformação da desordem (aminoácidos soltos) em ordem (proteínas longas e complexas) contrariando de frente a segunda lei da termodinâmica. Tal tipo de transformação acontece, hoje em dia, dentro das células, com a ajuda preciosa de um batalhão de enzimas catalisadoras – e as enzimas são proteínas, logo, ainda não estavam disponíveis naqueles ambientes. Por outro lado, a linha de montagem das proteínas, nas células de hoje, se dá com o uso das instruções contidas nas moléculas de ácidos nucléicos (DNA e RNA). Esse tipo de dificuldade levou muitos pesquisadores a crer que, antes de aparecerem as proteínas, deveriam ter surgidos os ácidos nucléicos. Como dissemos antes, essa idéia era adotada por Haldane e se sustentava nas pesquisas com vírus.

Quem está desse lado acha que as primeiras moléculas replicantes foram moléculas de RNA (ácido ribonucléico). O RNA é mais simples que o DNA em estrutura, mais fácil de ser sintetizado e mais reativo, sendo até capaz de catalisar reações químicas, como se fosse uma enzima. O pessoal que apoia essa hipótese costuma dizer que a vida na Terra passou por um estágio que eles chamam de “mundo RNA”.

Seja começando com proteína ou com ácido nucléico, o fato inegável é que o processo todo de formar os primeiros organismos vivos envolve estágios altamente complexos e improváveis. Isso faz a alegria da turma que ainda insiste nas hipóteses sobrenaturais para a origem da vida. Tem muita gente ignorante ou de má fé nesse lado da arena mas, curiosamente, também existem bioquímicos bem formados que acham que não dá para prescindir de uma mãozinha do Criador, seja ele quem for. Hoje em dia, essa corrente é caracterizada pela idéia do “design inteligente”, segundo a qual a vida foi pre-programada por um ser superior. A quase totalidade dos biólogos, porém, não está nem aí e continua acumulando dados e propondo explicações naturais para o enigma. E os dados se avolumam dia a dia. Como veremos na seção seguinte, eles surgem não apenas das evidências terrestres mas também do espaço exterior, na forma de meteoritos e nas análises das condições em outros planetas e satélites do sistema solar.

A panspermia. Somos todos extra-terrestres?

As dificuldades em ajustar as hipóteses sobre os primeiros seres vivos com as condições existentes na Terra primitiva (redutora, oxidante ou neutra) levaram alguns cientistas à proposição de uma origem extra-terrestre para a vida. Você talvez ache que isso é o mesmo que esconder a poeira embaixo do tapete, pois a pergunta apenas seria deslocada da Terra para outro lugar. E tem razão, mas, existem motivos adicionais apoiando essa hipótese. Por um lado, as condições para o surgimento da vida poderiam ser muito mais propícias em algum outro planeta que na Terra primitiva. Além disso, o tempo disponível para esse surgimento seria muito mais amplo. É bom dizer que muita gente acha que o aparecimento das primeiras células vivas na Terra se deu cedo demais. A Terra formou-se há uns 4,5 bilhões de anos e já existem evidências de vida por aqui há, pelo menos, 3,8 bilhões de anos. E olhe que nessa época nosso planeta não era um lugar muito tranqüilo. Sofria um terrível bombardeio de meteoros que só veio amainar pelo menos 1 bilhão de anos depois. Sem falar que ainda não existia a camada de ozônio e a radiação ultravioleta do Sol era intensa na superfície do jovem planeta.

A idéia de que a vida seria comum no Universo e facilmente espalhada através de meteoritos e cometas, chamada de “paspermia”, ainda tem muitos adeptos. Para eles, as primeiras sementes de vida formaram-se em algum local conveniente da galáxia (ou em vários, simultaneamente), algum tempo depois do surgimento da própria galáxia, espalharam-se pelo espaço e, eventualmente, foram plantadas em nosso planeta pouco depois que ele se formou. Isto é, nossos antepassados primitivos seriam extra-terrestres.

Em 1984, foi achado um meteorito de quase dois quilos na Antártica e recebeu o nome de ALH84001. Logo foi determinado que esse meteorito viera de Marte, de onde saíra há uns 16 milhões de anos atrás. Depois de vagar um bocado de tempo pelo espaço, caiu na Antártica 13 mil anos atrás.

Você deve estar boquiaberto com essas datas e informações. Como é que esses caras sabem que essa pedra veio de Marte, quando saiu de lá e quando chegou aqui? Pois veja, quanto a isso ninguém tem dúvida. A análise espectroscópica do material do meteorito bate bem direitinho com a composição de Marte já bem conhecida desde as primeiras sondas que lá pousaram. E a data da queda na Terra é inferida pela datação do gelo onde o objeto foi encontrado. Não dá para duvidar desses dados pois as técnicas espectroscópicas são de uma precisão fantástica. E o que surpreendeu a todos não foram essas informações. O que fez mesmo furor na comunidade científica e chegou aos jornais e TV foi outra coisa: o ALH84001 parecia conter sinais de vida microscópica fossilizada; tinha umas estruturas que pareciam fósseis de bactérias.

Além disso, a pedra contém outras características intrigantes. Uma delas é a presença de magnetita, um mineral pouco comum e que na Terra às vezes é produto de atividade biológica. E também foi encontrada uma quantidade significante de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs) que também podem ser resultado de processos bioquímicos.

Outros meteoritos encontrados na Antártica foram também analisados e mostraram alguns detalhes curiosos, parecidos com aqueles vistos no ALH84001. O chato é que logo apareceram os estraga-prazeres com argumentos fortes contrários à presença de vida fóssil no ALH84001 e nos outros meteoritos. Com o passar do tempo e novos estudos e testes, pouca gente ainda acredita que as marcas no ALH84001 sejam fósseis de bactérias. Mesmo assim, ainda há quem acredite na interpretação inicial das observações. E recentemente, a coisa voltou a ser debatida depois que sondas da NASA que passearam por Marte levantaram a possibilidade de haver, ainda hoje, água nesse planeta. Não podemos dizer “água subterrânea”, melhor dizer “água submarciana”.

Marte, aliás, não é o único candidato a abrigar vida extra-terrestre, pelo menos microscópica. Outros bem cotados são Europa, satélite de Júpiter, e Titan, satélite de Saturno. Vamos falar disso a seguir.

A segunda experiência de Stanley Miller. A vida que saiu do frio.

Stanley Miller, aquele estudante de Harold Urey que produziu aminoácidos em frascos com metano e amônia, estava insatisfeito na década de 70. A hipótese de Urey segundo a qual a atmosfera primitiva seria redutora estava sendo contestada pelos especialistas. Sem falar que muitos achavam que seria improvável que os aminoádcidos que ele produzira viessem a formar proteínas sem a ajuda de outras proteínas para catalisar as reações.
Miller e seu aluno Jeffrey Bada resolveram fazer uma tentativa diferente – aliás, bem diferente. Encheram alguns frascos com soluções aquosas de cianeto de amônia (NH4CN). A amônia e o cianeto são aceitas pelos entendidos como prováveis constituintes da atmosfera primitiva. Os frascos com as soluções foram colocados em banhos de gelo seco onde a temperatura é de 78oC abaixo de zero e simplesmente deixadas lá por longos 25 anos. De vez em quando completavam o nível do gelo seco para manter a baixa temperatura mas nem tocavam nos frascos.

Em 1977, resolveram, finalmente, examinar o que poderia ter acontecido com os materiais nos frascos. E, para surpresa e delícia de ambos, algo tinha acontecido. O material tinha adquirido a coloração amarelada que é uma característica usual dos polímeros orgânicos. Nas análises de laboratório que fizeram a seguir, o material que se formara nos frascos revelou conter vários aminoácidos e as bases adenina e guanina, constituintes do RNA.

Não é preciso dizer que esses resultados causaram espanto e ceticismo na turma que investiga a origem da vida. Afinal, todos consideram que o ambiente ideal para a formação das primeiras sementes de vida não teria nada de frio. Seria, em vez disso, um inferno quente nas profundezas dos oceanos, borbulhando os gases emanados por fossas vulcânicas. Todos sabem que reações químicas precisam de energia e costumam ser muito lentas quando a temperatura é baixa. Entretanto, os resultados de Miller e Bada eram irreputáveis e logo foram reproduzidos em vários laboratórios. Precisavam só de uma explicação razoável.

Uma explicação surgiu levando em conta a forma como o gelo se forma em uma solução. Quando uma solução aquosa é congelada lentamente, dá-se um processo de segregação de fases: enquanto o gelo vai se cristalizando o material dissolvido (o soluto) é expulso dos cristais. O resultado é um sistema composto de gelo cristalino que é quase H2O puro e pequenas bolsas ou interstícios contendo água líquida com alta concentração do soluto. Seria, então, essa altíssima concentração dos reagentes em espaços apertados que compensaria a baixa temperatura, estimulando a formação rápida dos compostos resultantes.

Europa e sua superfície de gelo

Esses resultados encheram de entusiasmo o pessoal que acredita que pode haver vida em Europa, um dos satélites galileanos de Júpiter. Europa tem mais ou menos o tamanho de nossa Lua e é todo coberto de gelo. As fotos da sonda Galileu que passou bem perto desse satélite mostram uma superfície gelada cheia de fissuras. Aparentemente, o gelo estaria flutuando sobre oceanos líquidos. E, se houver mesmo água líquida por baixo do gelo, é provável que haja fontes internas de calor, talvez alguma atividade vulcânica. Enfim, tudo que a vida requer para florescer. As sondas detetaram também a presença de moléculas orgânicas, não apenas em Europa mas também em outros dois satélites galileanos de Júpiter, Ganimedes e Calixto.

Outro forte candidato a sediar vida microscópica é Titan, o maior satélite do sistema solar, que orbita o planeta Saturno. Titan tem uma atmosfera de nitrogênio e metano mais densa que a nossa. Na Terra, o pouco metano que há na nossa atmosfera tem origem biológica, quase exclusivamente, vindo das emanações dos pântanos e dos peidos e arrotos do gado (e também dos humanos, mas esses negam). O gás é produzido metabolicamente por bactérias, em todos os casos. Também está mal falado por contribuir para o indesejável efeito estufa. Sendo assim, é possível que o metano de Titan, pelo menos em parte, também tenha origem biológica. O outro componente da atmosfera de Titan, o nitrogênio, é um constituinte fundamental das moléculas da vida, as proteínas e os ácidos nucléicos.
Um teste para saber de onde vem o metano de Titan consiste em medir sua idade. Se for muito velho, certamente foi captado na formação do satélite e não teria nada de biológico. Mas, se for mais recente, sua origem precisaria ser explicada de alguma forma. Os primeiros testes feitos pela sonda Cassini-Huygens, produto conjunto de europeus e americanos, foram animadores, mas ainda não foram totalmente conclusivos.

Marte é outro candidato a conter, ou ter contido no passado, vida microscópica. Também tem metano, embora muito pouco, e parece ter água no sub-solo. Um robô da NASA deverá pousar e passear pela superfície desse nosso vizinho dentro de alguns anos com a missão de fazer medidas cruciais na solução dessa dúvida. Deverá analisar o metano e medir a razão isotópica do CO2 da rala atmosfera marciana, além de buscar indícios de água sob o solo. Resta-nos aguardar esses resultados que podem ser muito interessantes.

O ouro dos tolos na formação das primeiras células vivas.

Há um ponto que muitos pesquisadores consideram fundamental para a origem da vida: a formação de uma membrana delimitando a célula primitiva. Moléculas boiando soltas, mesmo se conseguissem se tornar auto-reprodutoras, logo seriam decompostas e extintas. Além disso, fica difícil conceber como elas trocariam energia com o meio ambiente para suprir suas funções vitais. As células atuais são encerradas por membranas semi-permeáveis que permitem a passagem da matéria e da energia que a célula necessita para viver.

O argumento a favor da formação de uma membrana, desde o início da vida primitiva, baseia-se na necessidade de separar a vida (interior) da não-vida (exterior). No interior, as reações se dariam de forma organizada, sem o burburinho do meio externo. A entropia da célula poderia decrescer (isto é, a ordem interna aumentando) sem ferir a segunda lei da termodinâmica, pois o calor seria lançado fora, como no congelador de uma geladeira.

As membranas das células atuais são muito complexas. As primeiras membranas envolvendo as células primitivas deveriam ser muito mais simples. Uma proposta interessante para o surgimento dessas primeiras membranas sugere que elas seriam feitas de minerais de ferro e enxofre, abundantes nas regiões onde se supõe que começou a vida na terra, isto é, no fundo dos oceanos. Um desses minerais é a pirita, que é o sulfeto de ferro (FeS2), conhecido como o “ouro dos tolos” por ter um brilho dourado que enganou muito garimpeiro inexperiente.

O químico alemão Günter Wächtershäuser, que além de ter três tremas no nome ainda é advogado, vem trabalhando nessa hipótese de membranas minerais primitivas há muito tempo. Ele apresentou um esquema detalhado de como membranas de pirita serviriam para promover as primeiras reações do tipo adequado para formar vida, já que possuem a propriedade de catalisar reações orgânicas. Ele demonstrou o funcionamento desse esquema em laboratório e mostrou que as membranas minerais podem até se fechar, formando uma proto-célula, como é requerido. Pelo modelo de Wächtershäuser, eventualmente as membranas minerais seriam substituídas por membranas orgânicas, que terminariam por ser exclusivas nas células mais evoluídas. O interessante é que já foram encontradas estruturas parecidas com as obtidas pelo alemão em depósitos minerais com milhões de anos de idade.

Membranas naturais de pirita

Essas idéias não excluem outras que relatamos nas seções anteriores. Por exemplo, há quem ache que as células com membranas minerais poderiam se formar nos interstícios de alta concentração do gelo primitivo. O bom é que, uma vez formadas as células, o processo milagroso da seleção natural darwiniana tomaria conta do resto do espetáculo. Células cada vez mais especializadas seriam selecionadas até que surgissem os protótipos de enzimas e ácidos nucléicos. Wächtershäuser e seus colaboradores estão tentando reproduzir todo esse processo em laboratório, construindo um organismo elementar a partir dos compostos básicos e tentando observar sua possível evolução nos tubos de ensaio. Não é uma tarefa fácil, quando sabemos que esses processos na natureza exigem milhões de anos para se desenvolverem. Mas, vamos torcer para que eles tenham algum sucesso.

Onde está todo mundo? A busca pela vida fora da Terra.

Em uma seção anterior, falamos da hipótese da panspermia, segundo a qual o Universo estaria fervilhando de núcleos de vida que iriam se espalhando e se estabelecendo sempre que aportassem em algum planeta adequado, com água líquida e temperaturas amenas. Mencionamos também a esperança de alguns de encontrar vida, mesmo microscópica, em Marte e em alguns satélites de Júpiter e Saturno.

É claro que seria também seria um espetáculo se encontrássemos sinais de vida em planetas de outros sistemas, orbitando outras estrelas. Essa esperança começou a tornar-se menos fantasiosa a partir de 1995 quando, pela primeira vez, foram detetados indícios de um planeta extrassolar orbitando uma estrela da constelação de Pegasus. Desde então, vários outros planetas foram detetados e o número deles cresce dia a dia. Dizemos detetados e não observados porque a existência deles é inferida por métodos indiretos. Os telescópios atuais não podem distinguir a imagem desses planetas pois ela é ofuscada pelo brilho da estrela que orbitam. A forma de saber que eles existem consiste em observar as pequeníssimas perturbações que ele causam na estrela e delas deduzir o tamanho, a massa e a posição do planeta perturbador. Não é fácil mas já está se tornando rotina em alguns observatórios. E o que se achou, até agora, foram planetas bem esquisitos, do tamanho de Júpiter e distando de suas estrelas menos que Mercúrio dista do Sol. Um bicho desses, evidentemente, não poderia abrigar vida como conhecemos. Mas, ninguém duvida que existam planetas parecidos com a Terra ou Marte girando em torno de estrelas em posições adequadas para a presença de oceanos, nem muito longe nem muito perto da estrela. Já existem projetos de observatórios em órbita, do tipo do Hubble, mas especializado em procurar esses planetas e com resolução suficiente para observá-los diretamente. A NASA está projetando um desses telescópios, associado a um interferômetro de alta resolução que, quando estiver funcionando será capaz de distinguir planetas do tamanho da Terra distando o mesmo de suas respectivas estrelas do que nós de nosso Sol.

É claro que existir planetas parecidos com a Terra não significa que eles possam ter algum tipo de vida. Afinal, Marte é muito parecido com o nosso planeta e talvez seja completamente estéril. Entretanto, se esses planetas realmente existirem, como é muito provável, a possibilidade de haver vida extra-terrestre será muito maior. Vamos esperar por essas novidades no futuro.

Perspectivas. Afinal, quando teremos uma resposta?

Um argumento muito adotado pelo pessoal que não acredita na origem natural da vida na Terra ou em outros planetas é o seguinte: a chance de coisas complicadas, como bactérias ou gente, surgirem de um concerto de moléculas soltas ao acaso é infinitamente pequena. O conhecido cosmologista Fred Hoyle, que era muito competente mas gostava de causar polêmica, fez a conta do tempo necessário para que uma pessoa, com os olhos vendados, conseguisse resolver o cubo de Rubik. Fazendo 1 movimento por segundo essa pessoa precisaria de mais de 300 vezes a idade da Terra para acertar a forma correta do cubo. Ora, dizia Hoyle, isso é mais fácil do que montar uma proteína juntando seus constituintes ao acaso. E lembrem que nosso corpo tem mais de 200.000 tipos de proteínas. Mas, o fato inegável é que a vida surgiu e estamos aqui conversando sobre como ela se originou. A solução, segundo Hoyle, que não era religioso, é admitir que o Universo é inteligente, e tem um propósito: gerar vida. Os adeptos atuais desse tipo de raciocínio preferem acreditar em um certo “design inteligente” com o pressuposto da existência de um projetista sobrenatural.

A quase totalidade dos biólogos, porém, não perde tempo com esse tipo de resignação preguiçosa e está segura que, mais dia ou menos dia, acabará desvendando os mecanismos que possibilitaram o surgimento da vida. Essa esperança é apoiada pelos incríveis progressos que já foram feitos e continuam a surgir com ainda mais freqüência. Diferentemente do que tínhamos há uns duzentos anos, hoje já se sabe como é uma célula, de que ela é feita, como funciona, como troca energia, como armazena informações genéticas e como essas informações são transmitidas para as gerações seguintes. A genética moderna já sabe com alguma segurança como as células evoluíram e é capaz de desenhar a árvore genealógica da vida até organismos tão arcaicos que já estavam por aqui pouco tempo depois que a Terra se formou.

O que falta, então? Falta saber como foi o momento zero, o big-bang da vida. Como, quando e onde formou-se o primeiro aglomerado de moléculas capaz de metabolismo e reprodução, sujeito às regras da evolução a partir desse momento até o estágio atual.

Como vimos nas seções anteriores, a quantidade de dados e hipóteses é enorme e está sempre crescendo. Todo dia surgem novidades nas publicações científicas e algumas delas são tão excitantes que chegam até aos noticiários da TV.

Pode ser que ainda demore para chegarmos a saber como surgiu a vida. Pode até ser que nunca cheguemos a saber isso com todos os detalhes e comprovações desejáveis. A ciência é assim mesmo, sempre pode ser enriquecida e nunca deixará de ser arena de debates entre opiniões conflitantes. Isso é verdade, mas, usar essas limitações para jogar toda a responsabilidade nos ombros de algum “projetista” sobrenatural, seja quem for, e se conformar em conviver com a ignorância sem ao menos tentar ampliar o conhecimento, não é um comportamento digno de um ser racional.

Aproveitando e devolvendo os argumentos desse pessoal conformista, preferimos dizer que, se alguém acredita em Deus e está seguro que foi Ele que nos dotou de um cérebro pensante, deveria desconfiar que Ele espera que usemos esse cérebro para pensar. Afinal, para que criar um ser consciente se ele não vai usar esse poder que lhe foi concedido?

Nesse sentido, um cientista, mesmo se for ateu, que queima as pestanas para desvendar os segredos da vida e do Universo, demonstra muito mais respeito pelo Criador e sua criação que alguém que prefere a ignorância, fazendo mau uso de uma graça que lhe foi concedida.

Além disso, há também o prazer da busca por soluções de enigmas, a alegria da descoberta e a emoção do momento em que um mistério é desvendado. Imagine o estado de espírito de Charles Darwin quando começou a ver que a massa enorme de dados que coletara em sua viagem no Beagle podia ser compreendida por um princípio único e simples, a seleção natural.

Pois bem, se você gosta de desafios, esse é um dos bons. Estude Biologia, acione os processadores de alto desempenho que tem na cabeça e se junte ao pessoal que investiga os mistérios da origem da vida. Se Deus quiser, será você quem encontrará a pedra filosofal, quem dará o toque sutil que trará luz aos nossos anseios por saber como surgimos nesse planeta. E, se Ele não quiser (ou se Ele simplesmente não estiver nem aí para suas intenções) pelo menos você terá diversão garantida até que, um dia, a sua vida se desvaneça. Poético, não é? Boa sorte.

Acessar Ir para o topo