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Universidade Federal do Ceará
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As Séries de Fourier

Como representar qualquer função matemática.

J. B. Joseph Fourier

Jean Baptiste Joseph Fourier (1768-1830) viveu na época de Napoleão, para quem trabalhou na França e no Egito ocupado pelos franceses. Mas, seu nome foi imortalizado pelas séries trigonométricas que introduziu em 1807 e até hoje deslumbram os matemáticos, físicos, estatísticos e engenheiros. Essas séries são uma verdadeira dádiva para quem precisa descrever uma função mais ou menos complicada em uma forma simples de visualisar e manipular.

A história das séries de Fourier ilustra como a solução de um problema físico acaba gerando novas fronteiras na matemática. Fourier foi levado a desenvolver suas séries ao estudar a propagação de calor em corpos sólidos. Admitindo que essa propagação deveria se dar por ondas de calor e levando em conta que a forma mais simples de uma onda é uma função senoidal, Fourier mostrou que qualquer função, por mais complicada que seja, pode ser decomposta como uma soma de senos e cossenos.

Para falar a verdade, a matemática de Fourier era meio capenga, sem o rigor que era exigido por seus contemporâneos como Lagrange e Laplace. Assim mesmo, ele conseguiu o apoio e admiração desses gigantes, além de obter resultados que escaparam pelos dedos de outros gênios como Bernouilli e Euler.

A história das séries de Fourier ilustra como a solução de um problema físico acaba gerando novas fronteiras na matemática. Fourier foi levado a desenvolver suas séries ao estudar a propagação de calor em corpos sólidos. Admitindo que essa propagação deveria se dar por ondas de calor e levando em conta que a forma mais simples de uma onda é uma função senoidal, Fourier mostrou que qualquer função, por mais complicada que seja, pode ser decomposta como uma soma de senos e cossenos.

Para falar a verdade, a matemática de Fourier era meio capenga, sem o rigor que era exigido por seus contemporâneos como Lagrange e Laplace. Assim mesmo, ele conseguiu o apoio e admiração desses gigantes, além de obter resultados que escaparam pelos dedos de outros gênios como Bernouilli e Euler.

Em um relato de uma técnica matemática não é possível evitar de todo o uso de fórmulas e equações. Sempre que possível, vamos usar recursos gráficos mas teremos de mostrar também um pouco do formalismo. Essas partes serão destacadas com esse fundo em azul mas não são indispensáveis e podem ser puladas sem comprometer a leitura do texto normal. Vale a pena, no entanto, tentar entendê-las.

O que é uma série de Fourier.

 

Todo aluno de segundo grau conhece as funções trigonométricas, seno, cosseno, tangente etc. A figura ao lado mostra o familiar gráfico da função sen(x), onde x é um ângulo medido em radianos. Essa função é PERIÓDICA, isto é, sua forma se repete a cada PERÍODO. No caso dessa figura, a função seno se repete a cada período de 2π. O valor máximo da função, chamado de AMPLITUDE, é 1.

 

A função cosseno também é periódica, com o mesmo período e amplitude que o seno, mas é deslocada de π/2 em relação ao seno. Isso é fácil de constatar examinando os gráficos.
Tecnicamente, diz-se que as funções seno e cosseno diferem na FASE e a diferença de fase entre elas é de π/2.

 

Na figura ao lado, vemos a soma (curva em vermelho) das funções sen(x) e cos(x). Essa curva é obtida traçando-se, em cada ponto x, a soma dos valores de sen(x) e cos(x) nesse ponto. Por exemplo, o ponto da curva na região x=5,5 é zero pois o valor de sen(x) é igual e de sinal oposto ao valor de cos(x) nesse ponto. Verifique a situação para outros pontos da curva para treinar pois as séries de Fourier são composições de muitas curvas tipo seno e cosseno, como veremos.

 

Uma função periódica pode ser bem mais complicada que uma senóide. Veja o exemplo da função f(x) mostrada na figura ao lado. Essa curva também é periódica mas, não é apenas um seno ou um cosseno. Como achar uma função matemática que descreva uma curva como essa? Foi isso que Fourier descobriu, no início do século 19. Segundo ele, qualquer função periódica, por mais complicada que seja, pode ser representada como a soma de várias funçoes seno e cosseno com amplitudes, fases e períodos escolhidos convenientemente.

Existem alguns requisitos para que essa afirmação seja totalmente verdadeira. Mas, eles são tão poucos e especializados que podemos ignorá-los nesse relato simplificado.

A figura abaixo mostra a mesma curva da figura acima juntamente com duas funções seno e duas funções cosseno. A curva original é a soma dessas 4 funções, como você pode verificar com alguma paciência. Note que as amplitudes e períodos das ondas componentes são diferentes entre si.

Matematicamente, a decomposição da função f(x) na curva acima é a seguinte:

Em resumo, qualquer função f(x) pode, segundo Fourier, ser escrita na forma da soma de uma série de funçoes seno e cosseno da seguinte forma geral:

Os pontinhos nessa equação indicam que os termos tipo seno e cosseno podem se extender indefinidamente, se necessário, para melhor representação da função original f(x).

Resta achar uma forma de calcular os coeficientes etc, de cada termo da série. Esses coeficientes, como vemos, são as amplitudes de cada onda componente do desenvolvimento em série.

Pois foi isso que Fourier conseguiu fazer: achou uma forma simples e elegante de calcular esses coeficientes, coisa que escapara de gigantes como Euler e Bernouilli.

Veremos como isso é feito, mais adiante. Antes, porém, precisamos aprender a calcular MÉDIAS de funções periódicas.

Valores médios de funções.

 

Queremos calcular a área que fica abaixo da curva que representa uma função f(x) em um dado trecho. Isso é muito fácil se a função f(x) for constante, como na figura ao lado. A área S é simplesmente o produto da base pela altura do retângulo, isto é, S = A Y.

 

 

Se a função não for constante o cálculo não é tão simples pois envolve uma integral da função no trecho considerado. No entanto, esse valor sempre pode ser encontrado e aqui vamos supor que ele é conhecido. Isto é, para todos os efeitos, o valor da área S sob a curva pode ser calculado, resultando em um número bem determinado.

A área S sob a função f(x) no trecho entre 0 e A é dada pela integral:

 

Uma vez conhecido o valor da área S é sempre possível achar um retângulo de base A com a mesma área S. O valor < Y > da altura desse retângulo (tal que S = A < Y > ) é o VALOR MÉDIO da função f(x) no trecho entre 0 e A. Isto é: < Y > = S / A. Os colchetes < > são usados para indicar “valor médio”.

Portanto, o valor médio de f(x) entre os extremos 0 e A é dado por:

 

A função f(x) pode ter valores positivos e negativos no trecho considerado. No gráfico ao lado, f(x) é positivo até o ponto intermediário C e depois passa a ser negativo. Nesse caso, a área S é dada por S = S1 – S2 e o valor médio de f(x) será < Y > = (S1 – S2)/A.

 

 

No caso da função sen(x) a área da parte positiva é igual à área da parte negativa no trecho corresponente a um período. Portanto, a área S é nula e o valor médio da função sen(x) em um período é zero. O mesmo ocorre com a função cos(x).
O valor da área S1 é 2. Isso pode ser verificado com o uso da integral de sen(x) entre 0 e , mas, você pode simplesmente aceitar esse resultado como correto. Mais adiante ele será usado.

 

Agora, vejamos o caso da função f(x) = sen2(x) cujo gráfico é mostrado na figura ao lado. Agora, tanto S1 quanto S2 são positivos e têm o mesmo valor. Para achar o valor médio dessa função em um período podemos lançar mão da simetria. Traçando a reta na altura y=1/2 verificamos que as partes sob a curva que estão acima dessa reta preenchem exatamente os vazios das partes que estão abaixo.
Portanto, .

Isto é:

Esses resultados serão usados a seguir no cálculo dos coeficientes de uma série de Fourier.

Calculando os coeficientes de uma série de Fourier.

Como vimos, uma função f(x) pode ser “expandida” em uma série de Fourier onde a função é aproximada pela soma de senos e cossenos do seguinte modo:

f(x) = a0+ a1 sen(x) +a2 sen(2x) +a3 sen(3x)+ … + b1 cos(x) + b2 cos(2x) + …

Fourier conseguiu achar uma forma simples e elegante de calcular esses coeficientes a0, a1, a2, … , b1, b2 etc. Vejamos como isso é feito.

Suponha que queremos achar o coeficiente a3, por exemplo.

Começamos multiplicando os dois lados da equação que define a série por sen(3x). Obtemos, assim:

f(x)sen(3x) = a0 sen(3x) + a1 sen(x) sen(3x) + a2 sen(2x) sen(3x) + a3 sen2(3x) + … + b1cos(x) sen(3x)+ …

A seguir, tomamos as MÉDIAS de cada termo dessa equação:

< f(x)sen(3x) > = < a0 sen(3x) > + < a1 sen(x) sen(3x) > +< a2 sen(2x) sen(3x) > + < a3sen2(3x) > + … + < b1 cos(x) sen(3x) > + …

E aí surge algo fantástico: todas as médias do lado direito da equação são nulas, menos a média do termo correspondente a a3! Isto é:

Isso acontece porque cada termo da esquerda (menos o termo de a3) contém a média de um seno ou um cosseno em um período, que é zero, como vimos antes. Mas, o termo de a3 contém a média de sen2(3x), que vale 1/2, como também vimos. Portanto:

(É curioso que um truque aparentemente tão simples tenha escapado de um gigante da matemática como Euler.)

Portanto, o coeficiente a3 é 2 vezes a média do produto de f(x) por sen(3x).

Fazendo o mesmo para todos os valores de n em sen(nx) e cos(nx), verificamos, portanto, que:

a0 = < f(x) > = média de f(x).
an = 2 < f(x) sen(nx) > = 2 vezes a média de f(x) sen(nx).
bn = 2 < f(x) cos(nx) > = 2 vezes a média de f(x) cos(nx).

Se soubermos calcular essas médias, saberemos achar os coeficientes da série de Fourier. No próximo capítulo veremos um exemplo prático onde esses coeficientes são calculados.

Um exemplo prático: a onda quadrada.

No capítulo anterior, vimos que uma função periódica f(x) pode ser aproximada por uma série de Fourier do seguinte modo:

f(x) = a0+ a1 sen(x) +a2 sen(2x) +a3 sen(3x)+ … + b1 cos(x) + b2 cos(2x) + …

Os coeficientes de Fourier a0, a1, a2, … , b1, b2 etc são dados por:

a0 = < f(x) > = média de f(x) em um período;
an = 2 < f(x) sen(nx) > = 2 vezes a média de f(x) sen(nx) em um período;
bn = 2 < f(x) cos(nx) > = 2 vezes a média de f(x) cos(nx) em um período.

Para ilustrar esse resultado vamos fazer o desenvolvimento em série de Fourier de uma função periódica simples: a chamada “onda quadrada”, ou “função degrau”, cujo gráfico é mostrado na figura ao lado. Essa função está muito na moda pois pode ilustrar uma sucessão de “bits” com valores 1 e 0.

No primeiro período, ela pode ser escrita como:

f(x) = 1 (de 0 a π)
f(x) = 0 (de π a 2π).

A mesma coisa se repete para os demais períodos. Essa é a vantagem de uma função periódica: basta ver o que acontece em um período que sabemos o que acontece nos demais. Vamos, então, expressar essa função “onda quadrada” em séries de Fourier, calculando os coeficientes da série.

 

O primeiro coeficiente, a0, é simplesmente a média de f(x) no período. É muito fácil de ver, pela figura, que esse valor médio é 1/2.

 a0 = 1/2.

 

 

Para obter o coeficiente a1, primeiro multiplicamos f(x) por sen(x). Obtemos a curva vista ao lado que é simplesmente meia onda de uma senóide. Como vimos antes, a área sob essa meia onda é S = 2. Logo, a altura do retângulo,que é o valor médio do produto f(x) sen(x), deve ser 1/π. (Pois, (1/π) x 2π = 2.) Portanto:

a1 = 2 < f(x) sen(x) > = 2/.

 

 

O coeficiente a2 é duas vezes a média de f(x) sen(2x) no período. É claro, pela figura, que esse valor médio é zero. Logo:

a2 = 0.

 

 

 

O coeficiente a3 é duas vezes a média de f(x) sen(3x). Vemos, na figura, que as partes sombreadas desse produto se anulam e sobra apenas uma onda cuja área é 2/3. Logo, o valor médio do produto f(x) sen(3x) vale 1/3π. E o coeficiente será:

a3 = 2/3.

 

 

Continuando com esse processo para os demais coeficientes, logo fica claro que o resultado total é o seguinte:
a0 = 1/2;
an = 0 – para todo n PAR;
an = 2/n – para todo n ÍMPAR.

Deixamos para você a tarefa simples de mostrar que todos os coeficientes dos termos em cos(x), isto é, os bn, são nulos.

Portanto, a série de Fourier para a onda quadrada é:

f(x) = 1/2 + (2/) sen(x) + (2/(3)) sen(3x) + (2/(5)) sen(5x) + (2/(7)) sen(7x) + …

 

A figura ao lado mostra um gráfico da onda quadrada juntamente com o gráfico da expansão com os primeiros 5 termos da série de Fourier, isto é, com os termos explicitados na equação acima.

 

 

 

A outra figura mostra a onda quadrada e sua expansão com os 15 primeiros termos da série de Fourier. Como era de se esperar, quanto maior o número de termos na expansão, melhor a aproximação com a forma da função original.

 

Pacotes de onda.

A motivação de Fourier, ao desenvolver a série que imortalizou seu nome, estava ligada a um problema físico: a propagação do calor em um sólido. Com seu livro Teoria Analítica do Calor, conseguiu fama e prestígio, além de receber um prêmio da Academia de Ciências da França.

Mas, a importância do trabalho de Fourier ultrapassou por completo seu uso na termodinâmica. Como dissemos nos capítulos anteriores, uma série de Fourier pode representar muito bem uma função periódica. Na verdade, ela pode representar qualquer função, periódica ou não.

Como vimos, os termos da série são: a0, a1 sen(x), a2 sen(2x) etc.

Isto é, as fases (x, 2x, 3x etc) se diferenciam por valores inteiros. Isso não é necessário e pode ser modificado. As diferenças poderiam, por exemplo, ser fracionárias, por exemplo, x, 0,1x, 0,2x, 0,3x etc. Essa diferença pode até ser infinitesimal. Com essa generalização, é possível achar uma expansão de Fourier para (praticamente) qualquer função.

Em 1924, em sua tese de doutoramento, o francês Louis De Broglie apresentou a revolucionária idéia de associar propriedades ondulatórias a partículas como o elétron. Segundo sua sugestão, o comportamento de um elétron (ou qualquer outra partícula) seria governado por uma “onda piloto” que se deslocaria junto com o elétron.

Pois bem, a melhor maneira de se descrever essa “onda piloto”, ou “pacote de onda”, como se chama hoje em dia, utiliza uma expansão de Fourier com diferenças de fase infinitesimais. Não vamos dar esses detalhes (afinal, sempre é bom deixar algo em suspenso para aguçar sua curiosidade) mas, como vemos, o trabalho de Fourier acabou tendo grande utilidade no desenvolvimento da física moderna do século 20 e do atual.

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